Título: Renúncia fiscal cresce 12% e será de R$ 27 bi em 2005
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2005, Brasil, p. A3

O governo federal deixará de arrecadar, neste ano, R$ 27,288 bilhões por causa dos incentivos fiscais concedidos a empresas, pessoas físicas e instituições filantrópicas. Se comparado ao resultado do ano passado, o volume de benefícios tributários federais aumentará 12,7% em 2005, percentual bem superior à variação da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) no período que foi de 7,6%. Os números, obtidos com exclusividade pelo Valor, serão divulgados nos próximos dias pela Receita Federal. Para se ter uma idéia da dimensão da renúncia fiscal, o total de incentivos equivale a 74% da despesa total do governo com Saúde prevista no orçamento deste ano e a quase quatro vezes a estimativa do gasto anual do governo central com educação. Equivale ainda a 72% do déficit estimado da Previdência Social em 2005 e a mais de quatro vezes a despesa do programa Bolsa Família.

Tecnicamente, os incentivos fiscais são considerados "gastos governamentais indiretos de natureza tributária" ou simplesmente "gastos tributários". Eles surgem das decisões do governo de conceder estímulos fiscais a determinados setores da economia, regiões do país e grupos de pessoas. Os benefícios fiscais não foram inventados pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A rigor, sempre existiram. Eles têm experimentado um forte crescimento desde 1998, último ano do primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso. Naquele ano, os incentivos fiscais totalizaram R$ 17,2 bilhões, R$ 10 bilhões a menos, portanto, que o volume estimado para este ano. Em 2002, a renúncia subiu para R$ 23,9 bilhões. Os setores da economia mais beneficiados por incentivos fiscais são os de comércio e serviços (29,44% do total previsto para 2005) e da indústria (23,28%). A saúde, beneficiada com R$ 5,260 bilhões da renúncia fiscal, vem em terceiro lugar (19,28% do total). No setor industrial, a Zona Franca de Manaus, com R$ 1,395 bilhão neste ano, as micros e pequenas empresas (R$ 1,383 bilhão) e a indústria automobilística (R$ 1 bilhão) serão as mais aquinhoadas com incentivos fiscais em 2005. O comércio na Zona Franca será beneficiário também de R$ 2,435 bilhões em estímulos fiscais neste ano, bem como as atividades das micros e pequenas empresas nesse setor - R$ 5,535 bilhões. As instituições filantrópicas que atuam nas áreas de assistência social, saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia e desporto e lazer deixarão de recolher aos cofres públicos, em 2005, cerca de R$ 2,3 bilhões. Já estão incluídas nessa conta as deduções de Imposto de Renda que empresas e pessoas físicas têm direito a fazer devido a doações feitas a entidades filantrópicas e sem fins lucrativos. O tributo que o governo mais deixa de arrecadar por causa dos incentivos fiscais é o Imposto de Renda - renúncia de R$ 14,5 bilhões prevista para 2005. Dentro do IR, as empresas são as maiores beneficiárias (58% do total). O segundo imposto mais afetado pelos incentivos é o Imposto sobre Produtos Industriais (IPI), com R$ 4,6 bilhões. A região do país mais beneficiada por incentivos fiscais é a Sudeste, com mais de 50% do total de incentivos e benefícios previstos para 2005. A região Norte, por causa da Zona Franca de Manaus, vem em segundo lugar, com 20% do total. Em seguida, aparecem as regiões Sul (12,97%), Nordeste (10,24%) e em último lugar, o Centro-Oeste (5,22%), de acordo com os valores previstos para este ano. Os incentivos fiscais têm diversas finalidades. Elas vão do apoio a deficientes físicos (R$ 15,8 milhões em 2005), passam pelos estímulos fiscais concedidos a escolas particulares (R$ 289,2 milhões, além dos R$ 989,9 milhões que as pessoas físicas vão deduzir do IR em função de gastos com ensino privado) e chegam às redes de televisão, que deduzem do Imposto de Renda o espaço fornecido aos partidos políticos para o horário eleitoral gratuito (R$ 266,5 milhões). Como beneficiam setores escolhidos da economia e parcelas específicas da população, os incentivos fiscais ajudam a concentrar renda. No passado, alguns governos tentaram, sem êxito, eliminar alguns estímulos. No governo Fernando Henrique, o então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, chegou a sugerir que todos os incentivos fossem eliminados, mas sua proposta esbarrou em forte resistência política. "Incentivo fiscal é a pior política. O melhor seria o governo arrecadar os impostos dos setores sem nenhum tipo de renúncia e aplicar nos setores que considera importantes. Seria mais transparente", disse o economista e especialista em contas públicas Raul Velloso, acrescentando que é praticamente impossível para o governo saber se os beneficiários aplicam efetivamente os recursos perdoados. "Esse, definitivamente, é um tema considerado tabu no Brasil", avalia Velloso.