Título: O que a eleição de 2004 diz sobre 2006
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2004, Política, p. A-4

Os oráculos estiveram à solta na semana que passou e fizeram diversas interpretações sobre os resultados das urnas. O processo democrático só tem a ganhar com a proliferação de opiniões acerca da política, e quero deixar minha pequena contribuição aqui. O ponto que mais tem interessado aos analistas se refere ao efeito das eleições municipais sobre a disputa nacional, a despeito de os eleitores terem votado em representantes e governantes para o poder local, o que deveria levar os jornais a discutir quais os desafios que eles terão pela frente para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros em sua face citadina. Mas questões municipais, relacionadas ao universo mais cotidiano e imediato das pessoas, interessam menos à mídia do que o glamour e o poder vinculados à conquista da Presidência da República. Já que sou um derrotado contumaz neste debate, parto para a discussão que, para o bem e para o mal, mais chama a atenção da opinião pública. Muitas ilações sobre o impacto nacional das eleições locais foram feitas e o professor Wanderley Guilherme dos Santos, em sua última coluna no Valor, conseguiu dar um banho de água fria nas interpretações mais apressadas. Ele mostrou, com a precisão e independência de sempre, que a leitura atenta dos números caminha em sentido contrário às visões mais maniqueístas e dicotômicas predominantes no debate atual. Pretendo seguir, em boa medida, esta linha, matizando algumas conclusões correntes, sobretudo porque muitas dos resultados de agora terão de se trabalhados pelos políticos de situação e oposição nos próximos dois anos. Dos resultados municipais até agora conhecidos, é possível dizer sim que o PT teve um crescimento expressivo, aumentando o seu grau de nacionalização, e que o PSDB se credenciou como a maior força oposicionista. A expansão petista para os chamados grotões foi importante, embora o partido esteja bem longe do domínio destas áreas, diferentemente do que tinha a coalizão nacional comandada pelo governo Fernando Henrique. O PSDB teve um ótimo desempenho nas grandes cidades, particularmente no Sul e, mais claramente, no Sudeste, apesar de não podermos dizer que surgiu uma "nova onda", agora tucana, como um paralelo da "onda vermelha" de 2000. Note-se, porém, que nas capitais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste os pessedebistas não foram bem, o que pode sugerir à opinião pública que o partido é muito sulista, argumento que atrapalha o desempenho numa eleição presidencial. Na verdade, embora se possa dizer com segurança que PT e PSDB comandarão as duas chapas principais na eleição presidencial de 2006, fato que os resultados municipais consolidaram, ambos precisarão de uma série de coligações para se fortalecer na disputa pelo poder nacional. O pleito local de 2004 revelou um PMDB que comanda o maior número de municípios em oito Estados - alguns grandes colégios eleitorais, como o Rio Grande do Sul e o Paraná -, um PSB com ótimos resultados nas capitais (e nem sempre de bem com os petistas locais), e um amplo arco de prefeituras que, somadas, dividem-se entre o PL, o PFL, o PPS, o PTB, o PDT e o PP, só para ficar nas principais agremiações. Assim, o atual resultado das urnas revelou que a montagem da chapa nacional vai depender de uma miríade de alianças com partidos e, sobretudo, elites regionais.

Lula e Alckmin são prováveis candidatos à Presidência

O jogo político torna-se mais complicado ao se constatar que os números apresentados na semana passada têm certo caráter provisório. Isto se deve ao fato de que muitos prefeitos mudarão de partido, pois, ao dependerem de recursos e apoio dos governadores e da União para realizarem um bom mandato, muitos deles migrarão para as forças hegemônicas nos Estados e/ou no plano nacional. Nos próximos dois anos, a situação, por meio da máquina federal e da popularidade do presidente, e os oposicionistas, utilizando principalmente a estrutura de poder estadual ou das grandes cidades, terão um longo e árduo trabalho para costurar apoios rumo a 2006. Até agora procurei matizar as conclusões sobre os efeitos do pleito de 2004 sobre a disputa nacional em 2006. No entanto, para atiçar o debate, lanço uma afirmação mais peremptória, ao estilo dos oráculos de plantão: mais do que confirmar o PT e o PSDB como os dois partidos majoritários que disputarão a Presidência da República, as eleições municipais contribuíram para definir de vez e com força a candidatura de Lula como candidato à reeleição e, em sua maior novidade, o nome do governador paulista Geraldo Alckmin como o favorito entre os tucanos. Isto porque, do lado petista, a construção de coligações estaduais e nacionais dependerá muito do êxito do governo federal, no que se refere às suas obras de infra-estrutura, às políticas sociais e, sobretudo, aos resultados da política econômica. Portanto, só pode ser Lula o presidenciável do partido, ainda mais porque sua votação em 2002 foi maior do que a obtida pelo PT em 2004 - isto é, Luiz Inácio da Silva é maior eleitoralmente do que o Partido dos Trabalhadores. Do lado oposicionista, a derrota ou o resultado pouco expressivo de alguns caciques regionais tucanos, o fracasso do PFL (afora Cesar Maia), o excepcional desempenho do partido em São Paulo - maior colégio eleitoral do país - e a provável vitória de Serra sendo debitada, em boa medida, ao apoio fornecido por Geraldo Alckmin, colocam o governador paulista como o nome mais forte para sucessão presidencial. Fernando Henrique só concorreria à Presidência da República num caso de rotundo fracasso do governo Lula, hipótese com pouca probabilidade de acontecer. Se este cenário se confirmar (cobrem-me daqui a dois anos), Lula e Alckmin terão de enfrentar alguns desafios. O sucesso de Luiz Inácio da Silva dependerá da política econômica e da consolidação das alianças com outros partidos e líderes regionais, uma vez que o atual modelo de hegemonia petista dentro do governismo atrapalha tanto as ações de seu governo como a montagem dos suportes estaduais à chapa presidencial. Já o governador paulista vai enfrentar três outros obstáculos: seu nome e sua liderança são fracos do ponto de vista nacional - e sua resposta à guerra fiscal é um erro neste sentido -, ele terá de construir um arco regional que suporte as pressões da máquina federal e, principalmente, sua condição, depois de abertas as urnas, de maior vidraça dos petistas nacionais daqui para diante.