Título: "As eleições fizeram órfãos à direita"
Autor: Ilton Caldeira
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2004, Política, p. A-4

A polarização entre PT e PSDB, confirmada com o resultado do primeiro turno das eleições municipais, acabou deixando órfão o eleitorado com perfil mais conservador. Com o fraco desempenho apresentado pelo PP e PFL, partidos com os quais o eleitor de direita se identificava, parte desses votos poderá migrar para o PSDB já no segundo turno, de acordo com a avaliação do cientista político e diretor acadêmico da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Rogério Schmitt. Em entrevista ao Valor, Schmitt afirma que os principais ganhadores das eleições foram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), que deverão ser os dois principais protagonistas das eleições presidenciais em 2006. A seguir a entrevista. Valor: Como o sr. avalia o resultado das eleições? Rogério Schmitt: Essa eleição confirmou o processo de realinhamento político do quadro partidário, que começou em 2002, com a consolidação do PT e do PSDB como os partidos hegemônicos. Durante quase todo o período posterior ao fim da ditadura o quadro partidário foi controlado por PMDB e PFL. Agora esses partidos passaram a um segundo patamar. Valor: O que teria provocado essa mudança? Schmitt: Podemos atribuir parte dessa variação às conjunturas políticas em cada município de um ano para outro. Isso não significa que em 2008 o PFL, mais que o PMDB, possa recuperar o fôlego, mas no momento o PT e o PSDB consolidam a polarização. Valor: Com a polarização qual o espaço da direita? Schmitt: Não existe nesse momento no Brasil um partido moderno de direita e conservador. A direita no Brasil é muito mais fisiológica que ideológica. Se há um partido que pode ocupar esse espaço é o PFL, mas ainda está longe de chegar lá. Valor: PT e PSDB podem atrair o eleitor conservador? Schmitt: Existe um eleitorado conservador que está órfão. Não há um partido com um discurso pró livre mercado, a favor do capitalismo. O discurso tanto do PT como do PSDB é mercado sim, mas com regulamentação estatal. Sem dúvida o PSDB está um pouco à direita do PT, ainda que não seja um partido de direita. Mas é o que está menos distante desse eleitorado de direita e conservador. Valor: O resultado de 2004 será determinante em 2006? Schmitt: Nenhum partido de presidente eleito, desde o fim do regime militar, teve um desempenho extraordinário na eleição municipal imediatamente anterior. Na minha interpretação, o resultado da eleição presidencial é que influencia a eleição municipal, não o contrário. Valor: Quem se beneficiou com o resultado das urnas? Schmitt: No PT o principal fortalecido é Lula. O bônus pelo crescimento do partido está ligado à avaliação positiva do governo e o PT pegou carona nessa onda. Valor: E na oposição ? Schmitt: Na oposição o maior beneficiário, especialmente se o Serra vencer em São Paulo, será o governador Geraldo Alckmin. O PT teve derrotas importantes em Campinas e Ribeirão Preto. Isso fortaleceu a posição de Alckmin. Valor: Como se viabilizaria uma candidatura do PSDB em 2006? Schmitt: Poderia ser uma chapa com Alckmin e o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, para vice, repetindo a dobradinha com o PFL. Valor: Essa composição não seria arriscada? Schmitt: Sim. Se o PSDB se fechar em São Paulo, tornando-se um partido com fortes características regionais, ainda que esteja presente em todo o território nacional, pode produzir muita intriga. Rio e São Paulo são Estados com populações muito grandes, mas ninguém vai ganhar a eleição se vencer só nessa região. Valor: O Rio de Janeiro será a base para a reorganização do PFL? Schmitt: Cesar Maia teve uma vitória maiúscula para o PFL e é o principal quadro para uma composição na eleição de 2006. Valor: PT e PSDB podem repetir o PMDB? Schmitt: Apesar da hegemonia conquistada nas urnas, PT e PSDB não estão em situação confortável para chegar em 2006 intactos. Com o crescimento fica mais difícil controlar a diversidade interna. Quanto o PMDB chegou ao poder, no governo Sarney, cresceu tanto que acabou se fragmentando. Valor: O PMDB se firmou como um partido de grotões? Schmitt: A força eleitoral do PMDB está hoje muito interiorizada e, de fato, restrita aos chamados grotões. Eu arriscaria uma previsão de que o PMDB terá muitas dificuldades de sobreviver no longo prazo. Na verdade sempre foi uma confederação de partidos estaduais. O PMDB não tem uma liderança nacional forte. Desde a morte de Ulysses Guimarães o partido ficou dependente dessa força pessoal. Valor: É como o caso do PDT com o Brizola? Schmitt: Quanto se tem a mudança de geração e não há um processo de reafirmação de lideranças é muito ruim. Um partido não pode ser um projeto pessoal. Valor: A era dos caciques acabou com a derrota de tradicionais grupos políticos nessa eleição ? Schmitt: Eu não seria tão otimista. O clientelismo ainda é uma moeda corrente na política brasileira e não vejo sinais de que esteja diminuindo. Está havendo uma decadência dos atuais caciques, mas não o fim do caciquismo como fenômeno macro-político. Valor: No segundo turno poderá haver surpresas ? Schmitt: Via de regra é muito raro ter virada no segundo turno. Não que não existam, mas dificilmente acontece quando a vantagem do primeiro colocado para o segundo é muito grande. Além disso a campanha é bem mais curta. Outro aspecto é que no segundo turno a taxa de rejeição é decisiva. Para quem está atrás e tem uma taxa maior que a do adversário é mais difícil, já que o que vale é o voto estratégico. Esse voto do eleitor dos outros candidatos é que decide. Valor: O apoio de candidatos derrotados e autoridades deve ser dosado para se reverter em votos? Schmitt: Nem sempre o apoio é garantia de transferência de votos e às vezes pode até tirar votos. O caso de Paulo Maluf em São Paulo é típico. Tudo indica que o eleitor de Maluf vá apoiar o Serra e que Maluf apoiará o PT.