Título: Supremo pode ter primeira consulta pública da história
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2004, Legislação e Tributos, p. E-1

Sugestão de ministro foi feita em caso de aborto de feto anencéfalo.

A primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a ser realizada. As rumorosas repercussões do julgamento sobre a possibilidade de aborto de feto anencéfalo - ou seja, sem cérebro - levaram o relator do caso, o ministro Marco Aurélio de Mello, a propor ao plenário da corte a realização de uma consulta à sociedade. É inédita qualquer iniciativa dos magistrados da mais alta corte do país de pedir opinião externa para decidir sobre um assunto. Uma questão de ordem proposta pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, no entanto, poderá impedir a realização da audiência pública. O procurador, católico fiel seguidor da doutrina franciscana e radicalmente contra a possibilidade do aborto, levantou um questionamento. Para ele, a Confederação Nacional de Trabalhadores na Saúde (CNTS) não teria prerrogativas para propor a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. Se aprovado o questionamento de Fonteles, o Supremo não se pronunciará sobre o tema. As futuras gestantes terão de recorrer à primeira instância e aguardar o lento trâmite de ações na Justiça para saber se podem ou não abortar os fetos sem cérebro. Gabriela de Oliveira Cordeiro foi a última mulher a passar por tal rito. Quando o caso chegou ao Supremo, o parto já havia se realizado. A criança morreu sete minutos depois do nascimento. O ministro Marco Aurélio de Mello já se pronunciou sobre o assunto. Ele é favorável à possibilidade de aborto de fetos anencéfalos. "A gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar -, trata-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto - que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade", escreveu o magistrado no voto proferido. Mas Claudio Fonteles rebateu: "A dor da gestante não é comum a todas as gestantes, de sorte que, e atento ao princípio jurídico da proporcionalidade, a temporalidade do direito à vida sobrepuja, por essa perspectiva, o direito da gestante não sentir a dor, posto que a dor não será partilhada por todas as gestantes, ao passo que todos os fetos anencefálos terão suprimidas suas vidas", disse em seu parecer. Ao propor a audiência pública, Marco Aurélio elenca 13 instituições religiosas e médicas para participar dos debates, além do deputado federal José Pinotti (PFL-SP). O parlamentar é ex-reitor da Universidade de Campinas (Unicamp), onde fundou e presidiu o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas. O ministro do Supremo Gilmar Mendes considera válida a iniciativa de Marco Aurélio de propor o debate com a sociedade. "Em muitos temas delicados pode ser importante o diálogo com segmentos interessados. Podem ser apresentados argumentos técnicos enriquecedores", diz. No caso da anencefalia, a situação é ainda mais sensível. "Envolve questões técnicas, filosóficas e religiosas significativas." O ministro lembra de uma experiência semelhante realizada na Alemanha. Há alguns anos, a liberação do aborto foi debatida pelos magistrados da corte constitucional daquele país. "Uma consulta foi feita à sociedade com êxito", revela Gilmar Mendes. Os alemães permitiram a interrupção da gravidez com algumas reservas. O ministro faz apenas uma ressalva: "A audiência pública só não pode ser usada sempre, já que nós temos tempo muito exíguo para tratar de todos os temas em tramitação na corte". O ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e advogado Eduardo Alckmin classifica como "instrumento muito útil" a audiência pública, já que o julgamento do processo é um caso concentrado, no qual o Supremo dá decisão em tese para emitir um entendimento formal da corte e balizar futuros processos judiciais sobre o mesmo tema. "Nesses casos concretos, às vezes acontece de um juiz da primeira instância observar um ângulo diferente do tema e é preciso o Supremo rever seu posicionamento anterior. Isso é ruim. Com a audiência pública, todos os lados de um tema são ouvidos e os ministros poderão esgotar a discussão sem surpresas futuras", afirma Alckmin. O ex-presidente do Supremo, Maurício Corrêa, aprova a realização de audiências públicas. Mas, no caso específico, o jurista avalia que os ministros da corte já têm posicionamentos praticamente certos. "A audiência servirá mais para abrir o debate à sociedade, mas não sei se será tão fundamental a ponto de alterar o voto dos ministros", diz. Para casos futuros, será válido. "Muitos assuntos demandam informações técnicas mais detalhadas." A primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a ser realizada. As rumorosas repercussões do julgamento sobre a possibilidade de aborto de feto anencéfalo - ou seja, sem cérebro - levaram o relator do caso, o ministro Marco Aurélio de Mello, a propor ao plenário da corte a realização de uma consulta à sociedade. É inédita qualquer iniciativa dos magistrados da mais alta corte do país de pedir opinião externa para decidir sobre um assunto. Uma questão de ordem proposta pelo procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, no entanto, poderá impedir a realização da audiência pública. O procurador, católico fiel seguidor da doutrina franciscana e radicalmente contra a possibilidade do aborto, levantou um questionamento. Para ele, a Confederação Nacional de Trabalhadores na Saúde (CNTS) não teria prerrogativas para propor a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. Se aprovado o questionamento de Fonteles, o Supremo não se pronunciará sobre o tema. As futuras gestantes terão de recorrer à primeira instância e aguardar o lento trâmite de ações na Justiça para saber se podem ou não abortar os fetos sem cérebro. Gabriela de Oliveira Cordeiro foi a última mulher a passar por tal rito. Quando o caso chegou ao Supremo, o parto já havia se realizado. A criança morreu sete minutos depois do nascimento. O ministro Marco Aurélio de Mello já se pronunciou sobre o assunto. Ele é favorável à possibilidade de aborto de fetos anencéfalos. "A gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar -, trata-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto - que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade", escreveu o magistrado no voto proferido. Mas Claudio Fonteles rebateu: "A dor da gestante não é comum a todas as gestantes, de sorte que, e atento ao princípio jurídico da proporcionalidade, a temporalidade do direito à vida sobrepuja, por essa perspectiva, o direito da gestante não sentir a dor, posto que a dor não será partilhada por todas as gestantes, ao passo que todos os fetos anencefálos terão suprimidas suas vidas", disse em seu parecer. Ao propor a audiência pública, Marco Aurélio elenca 13 instituições religiosas e médicas para participar dos debates, além do deputado federal José Pinotti (PFL-SP). O parlamentar é ex-reitor da Universidade de Campinas (Unicamp), onde fundou e presidiu o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas. O ministro do Supremo Gilmar Mendes considera válida a iniciativa de Marco Aurélio de propor o debate com a sociedade. "Em muitos temas delicados pode ser importante o diálogo com segmentos interessados. Podem ser apresentados argumentos técnicos enriquecedores", diz. No caso da anencefalia, a situação é ainda mais sensível. "Envolve questões técnicas, filosóficas e religiosas significativas." O ministro lembra de uma experiência semelhante realizada na Alemanha. Há alguns anos, a liberação do aborto foi debatida pelos magistrados da corte constitucional daquele país. "Uma consulta foi feita à sociedade com êxito", revela Gilmar Mendes. Os alemães permitiram a interrupção da gravidez com algumas reservas. O ministro faz apenas uma ressalva: "A audiência pública só não pode ser usada sempre, já que nós temos tempo muito exíguo para tratar de todos os temas em tramitação na corte". O ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e advogado Eduardo Alckmin classifica como "instrumento muito útil" a audiência pública, já que o julgamento do processo é um caso concentrado, no qual o Supremo dá decisão em tese para emitir um entendimento formal da corte e balizar futuros processos judiciais sobre o mesmo tema. "Nesses casos concretos, às vezes acontece de um juiz da primeira instância observar um ângulo diferente do tema e é preciso o Supremo rever seu posicionamento anterior. Isso é ruim. Com a audiência pública, todos os lados de um tema são ouvidos e os ministros poderão esgotar a discussão sem surpresas futuras", afirma Alckmin. O ex-presidente do Supremo, Maurício Corrêa, aprova a realização de audiências públicas. Mas, no caso específico, o jurista avalia que os ministros da corte já têm posicionamentos praticamente certos. "A audiência servirá mais para abrir o debate à sociedade, mas não sei se será tão fundamental a ponto de alterar o voto dos ministros", diz. Para casos futuros, será válido. "Muitos assuntos demandam informações técnicas mais detalhadas." Sugestão de ministro foi feita em caso de aborto de feto anencéfalo