Título: OMC confirma vitória do Brasil no açúcar
Autor: Assis Moreira, Mauro Zanatta e Mônica Scaramuzzo
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2005, Agronegócios, p. B12

A Organização Mundial do Comércio (OMC) confirmou quinta-feira a vitória do Brasil, Austrália e Tailândia contra os subsídios dados pela União Européia a seus produtores e exportadores de açúcar, numa decisão que pode ter enorme impacto no mercado internacional. A decisão forçará Bruxelas a deflagrar de vez uma ampla reforma do regime do açúcar na Europa. A questão é como isso vai ser feito, e se entrará realmente em vigor em julho de 2006. A Comissão Européia "lamentou o ataque" a seu programa de açúcar, mas garantiu que irá respeitar a decisão. Pelo veredicto do Órgão de Apelação da OMC, foi mantida intacta a decisão anterior. O órgão reconhece que a UE concede subsídios superiores a 1,273 milhão de toneladas anuais ou 499,1 milhões de euros - limites permitidos pela Rodada Uruguai, em 1995. O painel julgou ilegal o mecanismo de "subsídio cruzado", pelo qual um subsídio interno serve também para a exportação de açúcar em condições desleais. A UE também foi condenada por importar 1,6 milhão de toneladas de açúcar de suas ex-colônias na África, Caribe e Pacífico (ACP) pagando US$ 632 a tonelada (cotações atuais), e reexportar a mesma tonelada, subsidiada, por pouco mais de US$ 200. Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da Unica (que reúne as usinas), disse que a decisão abre um espaço no mercado para 3,8 milhões de toneladas de açúcar branco. Isso significa uma exportação adicional de US$ 1,2 bilhão. Carvalho confirma que o Brasil pode abocanhar 3 milhões de toneladas desse total. Para o coordenador-geral de Contenciosos do Itamaraty, Roberto Azevedo, a decisão abre um mercado adicional de até US$ 700 milhões ao país. "É um resultado irrecorrível e amplamente satisfatório aos interesses do Brasil", afirmou Azevedo. O Itamaraty avalia que a decisão servirá como elemento para facilitar as negociações em curso na Rodada Doha. "É mais um passo em direção à liberalização do comércio agrícola mundial", disse. O Itamaraty entende que mais essa vitória na OMC - o Brasil saiu vitorioso no processo do algodão contra os EUA - não afetará as negociações entre o Mercosul e a UE. O Itamaraty também comemorou uma nova jurisprudência consolidada pelo Órgão de Apelação da OMC. Os árbitros entenderam que a queixa do Brasil também deveria ter sido analisada sob a ótica do Acordo de Subsídios e não apenas pelo Acordo sobre Agricultura. "São disciplinas mais rigorosas e poderiam ter acelerado a implementação da decisão", explicou Azevedo. Com isso, os próximos contenciosos agrícolas determinarão prazos mais curtos. A decisão deve ser adotada até 26 de maio pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Depois, as partes negociam um prazo final para a adequação do regime açucareiro da UE à decisão da OMC. "Podemos chegar a um acordo, mas freqüentemente não há acordo e precisa de uma arbitragem", disse Azevedo. Em caso de arbitragem, serão necessários mais 60 dias para o resultado. O árbitro julga e define um prazo final para a UE. Após a decisão, a UE terá mais 30 dias para informar em quanto tempo e como será a mudança. "Levaremos em conta esse veredicto nas propostas de reforma que pretendemos publicar no dia 22 de junho", disse a comissária agrícola européia Mariann Fischer Boel. "Continuaremos a defender os interesses válidos dos produtores e consumidores da UE e dos países ACP." A comissária também confirmou as linhas básicas da reforma: reduzirá os preços internos garantidos e as cotas de produção, além da exportação e dos subsídios. Ao mesmo tempo, dará assistência aos países ACP afetados pela redução dos preços europeus. A questão é como a UE vai se alinhar à decisão da OMC. O regime europeu de açúcar atual oferece aos processadores de açúcar preço mínimo garantido e enorme proteção contra a concorrência estrangeira. A completa implementação da decisão da OMC faria a UE deixar de ser o segundo maior exportador internacional de açúcar. O bloco voltaria mesmo a ser importador líquido, como há 30 anos. Todos concordam que o Brasil seria o principal beneficiado. Jean-Louis Barjol, diretor do Comitê Europeu de Fabricantes de Açúcar (Cefa), calcula que 40 fábricas de açúcar na Europa seriam fechadas nesse cenário. Mas Barjol vê uma saída. O raciocínio de produtores europeus é de que a UE deverá usar na reforma os mesmos programas adotados por exportadores como Colômbia e Guatemala. Esses países têm preços internos mais altos que os preços internacionais, mas programas governamentais que os permitem exportar excedentes "sem o uso formal de subsídios à exportação". Para Claus-Dieter Ehlermann, ex-juiz do Órgão de Apelação e atualmente consultor dos produtores europeus de açúcar, a decisão da OMC tem enorme impacto não só para a UE como para qualquer país que exporta açúcar e que tem preço doméstico maior que o preço mundial do produto. Mas Austrália e o Brasil tratam de combater o argumento de que "todos são culpados" no mercado internacional do açúcar. Notam que exportações abaixo do custo de produção não são definidas pela OMC como subsídio à exportação. E consideram o caso do açúcar da "cota C" (exportação sem subsídios)" europeu diferente. Esse açúcar só é produzido e exportado graças a subvenções dadas a outros tipos de açúcar, no que é chamado subsídio cruzado. Pelos cálculos de produtores europeus, a reforma será feita até julho de 2006 para ser aplicada na safra 2006/07. Significa que o prazo de 15 meses normalmente dado pela OMC seria respeitado. Sobre a UE pesa forte pressão de organizações não-governamentais, como Oxfam e WWF, que notam que a "concorrência desleal" do açúcar do bloco deprime os preços no mercado mundial.