Título: As PPPs e a saída antecipada do projeto
Autor: Paulo Albert Weyland Vieira
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Entre as prioridades de qualquer investidor ao analisar sua participação em uma parceria público-privada (PPP) estão a negociação de mecanismos de liquidez e do direito de saída antecipada do projeto no caso de inadimplemento do Estado. Em geral vinculamos liquidez à possibilidade de um investidor alienar sua participação societária ou crédito em um projeto e/ou em uma sociedade por meio de mecanismos de mercado. Para tanto, temos o mercado de valores mobiliários, que pode assegurar liquidez para aqueles que investem em títulos de dívida ou no capital de sociedades abertas. Da mesma forma existe o mercado interbancário, onde créditos podem ser cedidos entre instituições financeiras. A Lei nº 11.079, no seu artigo 9°, parágrafo 2° indica que a sociedade de propósito específico (SPE) poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. Como sabemos, não basta uma companhia ter seu capital aberto para que seus títulos tenham liquidez. Para tanto, é necessário que se atinja um certo grau de dispersão do capital e que seus títulos sejam efetivamente negociados. É difícil imaginar que, pelo menos em um primeiro momento, as SPEs venham a satisfazer estas expectativas de um investidor. Devemos, assim, antever a existência de mecanismos contratuais que assegurem a saída do projeto, seja no momento de maturação da participação do investidor no projeto seja na saída antecipada caso algo de errado ocorra durante a implementação do mesmo. Antes de mais nada, temos que ter em mente que, quando falamos de liquidez do investimento, estamos nos referindo a um conjunto heterogêneo de investidores. Temos os investidores, de pequeno e grande porte, que poderão deter valores mobiliários da SPE, principalmente acionistas e debenturistas. Há também os financiadores, que poderão ser instituições financeiras privadas ou públicas. E, por último, as demais partes que terão algum tipo de interesse no projeto, como construtores, operadores, fornecedores de matéria-prima com contratos de longo prazo etc. E por que, em um primeiro momento, colocamos todos estes agentes em uma mesma categoria? Porque todos são vitais para a implementação do projeto e todos estarão buscando, desde o início, assegurar que, em algum ponto do tempo, poderão sair do projeto, tendo todos os seus interesses satisfeitos. Ou talvez, ainda mais importante, caso algo dê errado, em virtude de um inadimplemento do Estado ou de um dos parceiros privados, procurarão garantir a manutenção de seus direitos, e, possivelmente, o direito de se retirar antecipadamente do projeto através de um mecanismo contratual. Como os interesses das partes são distintos e também a natureza de seus diretos, provavelmente se verificará uma concorrência entre as partes ao procurar assegurar o seu direito de sair do projeto no prazo estipulado ou antecipadamente. O momento de maturação da participação do construtor no projeto não é o mesmo do financiador ou do sócio da SPE. Da mesma forma, os inadimplementos ou fatos externos que impactam negativamente o projeto afetam diferentemente as diversas partes. É, assim, muito importante que os diversos direitos sejam harmonizados e hierarquizados de forma a proteger direitos e, sempre que possível, priorizar a continuidade do projeto. Devemos, também, diferenciar os mecanismos de regularização do projeto das cláusulas de saída. O artigo da lei que prevê a possibilidade do contrato de concessão indicar os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle de SPE para seus financiadores é um mecanismo de regularização do projeto, pois garante a possibilidade de reestruturação financeira da SPE e a continuidade da prestação do serviço e não o direito de saída antecipada. Neste caso, algo negativo ocorreu que leva à necessidade de troca do parceiro estratégico, controlador, para se tentar salvar o projeto. A negociação de mecanismos contratuais de indenização, garantia e recompra antecipada de participação acionária ou pagamento antecipado de dívida são fundamentais para assegurar a liquidez do investimento ou o direto à saída antecipada e terão o seu sucesso vinculado à segurança contratual e à rentabilidade do projeto, conforme termos e condições previamente ajustados nos diversos contratos do projeto, mas principalmente no contrato de concessão. É importante que as cláusulas punitivas, como aquelas que determinam o pagamento de indenização ou a obrigação de recompra de participação acionária ou crédito, estejam em linha com os interesses das partes e os objetivos e premissas do contrato, para que se diminua o risco das mesmas serem questionadas, com sucesso, em processo judicial ou arbitral. Da mesma forma, a rentabilidade do investimento feito e a remuneração da SPE, contratualmente acordada, deverão, de um lado, acionar os mecanismos de saída antecipada, caso os parâmetros ajustados não sejam observados, e, de outro, deverão informar e balizar os métodos de avaliação de participações acionárias e créditos, incluindo a aplicação de princípios de perdas e danos e lucros cessantes. O artigo 5°, parágrafo 2° da Lei nº 11.079 estabelece que os contratos de PPP poderão prever a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato. Entendemos, no entanto, que o direto à indenização, bem como à saída antecipada do projeto, deverá proteger outras partes além dos financiadores, como os acionistas e debenturistas e outros parceiros. De fato, o pacote de garantias e indenizações deverá ser centralizado na SPE, que deverá assegurar que os demais parceiros sejam satisfeitos em caso de extinção antecipada do projeto. Esta visão holística da garantia das partes de terem a possibilidade de deixar o projeto no momento da maturação de suas participações ou ainda de receber a justa remuneração no caso de saída antecipada é respaldada pelo artigo 4° da lei, que deixa claro que na contratação de PPP será observado o respeito aos interesses dos destinatários de serviços e dos entes privados.