Título: Americanos buscam negócios na administração de hotéis no Brasil
Autor: Jorge Felix
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2004, Emnpresas, p. B-2

O turismo brasileiro volta a sonhar com o paraíso. Depois de passar por uma turbulência nos últimos cinco anos devido ao "boom" de construção de hotéis urbanos e, sobretudo, flats, o turismo nacional promete arremeter, beneficiado pelas boas notícias econômicas. A taxa de ocupação já atinge a média de 50% neste semestre, enquanto no início do ano era de 30%. De janeiro a julho, a Embratur somou superávit de US$ 345 milhões nas contas nacionais do setor, o resultado do gasto do brasileiro lá fora contra o desembolso dos estrangeiros por aqui. No ano passado, o resultado já tinha sido bom: 8,52% de crescimento em relação a 2002. Para este ano, com o real mais depreciado, as apostas são ainda maiores. O ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, espera contabilizar 200 mil novos empregos no fim do ano. Esse céu de brigadeiro começa a ser visto com outros olhos por quem realmente interessa: o investidor estrangeiro. Se tudo correr como previsto, o setor deverá passar por uma nova alteração de perfil. Com um grande número de imóveis construídos e ainda sobrevivendo em ambiente de superoferta, os novos recursos, desta vez, entrarão no país via serviço, por meio de operadoras americanas. Esse movimento deve alterar significativamente a relação entre os investidores, podendo garantir um rendimento maior no empreendimento, mas o consumidor verá as tarifas, hoje tão convidativas e bem abaixo do mercado internacional, sofrerem uma razoável elevação. A entrada de bandeiras americanas no mercado de administração de hotéis é esperada com ansiedade pelos investidores, donos de imóveis e profissionais que hoje têm poucas opções de escolha em administração - o turismo é o único negócio onde se terceiriza essa atividade. Na cidade de São Paulo, onde a crise de superoferta é mais gritante, as cinco maiores operadoras (Accor, Sol Meliá, Atlantica, Blue Tree e Transamérica) controlam 58,33% dos quartos. "Não existe isso em lugar nenhum do mundo", diz o consultor José Ernesto Marino Neto, presidente da BSH Internationale professor de pós-graduação de investimentos hoteleiros da FGV/RJ. Marino Neto também é coordenador do Seminário Internacional de Investimentos em Hotéis e Resorts, que será realizado nos dias 18 e 19, em São Paulo. Desde junho de 2003, quando o presidente Luís Inácio Lula da Silva esteve em Nova York, as conversas com os potenciais investidores vêm amadurecendo. Naquela oportunidade, o governo promoveu uma reunião com 40 executivos das principais operadoras do mundo. A estratégia funcionou. Uma das empresas interessadas em desembarcar no Brasil é a gigante US Franchise System, companhia norte-americana que hoje é controlada pela família Pritzker (proprietária do grupo Hyatt e uma das maiores fortunas dos EUA, com marcas famosas como Microtel e Best Inn). "Estamos avaliando o mercado brasileiro de hotelaria para definir a viabilidade de lançar nossa marca", diz também ao Valor o vice-presidente da Cendant Hotel Group International, Michel Schiff. A Cendant tem um acordo para franquear a marca Howard Johnson para a HJ Brasil Hotels Ltda. Quase todos esses grupos americanos esperam apenas uma oportunidade de parceria para concretizar a expansão. "Procuramos um bom investidor ou um parceiro no setor hoteleiro que divida a expansão de nossa marca no Brasil", diz o vice-presidente do grupo americano La Quinta, Alan Tallis. Com mais de 550 hotéis nos EUA e no Canadá, o La Quinta quer invadir os países vizinhos "em poucos anos". Foto: Magdalena Gutierrez/Valor

Marino Netto, da BSH Internacional: entrada de bandeiras americanas é esperada por investidores e donos de imóveis

O interesse dos grupos americanos, segundo Marino Neto, é explicado por um curioso paralelo entre a situação atual do mercado hoteleiro no Brasil com o quadro vivido nos EUA na década de 80. Segundo o consultor, de 1997 a 2001 havia uma percepção de que hotelaria "dava muito dinheiro" e existia uma carência no mercado nacional. No entanto, essa percepção mostrou-se exagerada, com a chegada de todos os tipos de investidores, desde a classe média que comprou um flat para investimento - e hoje tem dificuldades para alugá-lo ou vendê-lo - até grandes fundos de pensão. O resultado foi uma explosão de oferta no país. O problema, agora, é criar um processo de gestão competitivo e rentável capaz de manter o interesse no setor, principalmente de bancos e fundos de pensão, considerados fundamentais para o desenvolvimento da indústria. Enquanto os europeus, sobretudo portugueses, foram seduzidos pelos ganhos provenientes da construção de resorts na costa brasileira - até 2007 serão 23 novos empreendimentos só no Nordeste; só a Bahia receberá cerca de R$ 1,2 bilhão - os americanos estão mais interessados na gestão dos empreendimentos já existentes. O alvo principal são os hotéis urbanos, maiores vítimas da superoferta, mesmo cenário superado pelos americanos há cerca de 20 anos. Os Estados Unidos, lembra Marino Neto, chegaram à crise pelos mesmos motivos do Brasil: incentivo ao mercado imobiliário e disponibilidade de capital para investimento. "O que ocorreu por lá? Poucas empresas administradoras de hotéis cobravam caro pelos seus serviços. Muitas delas estavam acomodadas e geravam poucos resultados. Isso incentivou o surgimento de novas administradoras", conta o consultor. "Os investidores juntaram-se a hoteleiros capazes e o mercado passou a contar com uma diversidade de empresas: os administradores hoteleiros regionais, os independentes (sem marca), os afiliados a marcas de terceiros, os locais etc." Como todas as empresas em época de globalização, a hotelaria é uma indústria que a cada dia exige de seus gestores técnicas mais modernas de administração e grande capacidade de inovação. Os americanos acreditam que têm "know-how" por já terem passado por esta crise, que durou até 1994 e teve seu pior momento em 1990, com um prejuízo de US$ 5,7 bilhões. "Nossa estratégia visa crescer no mercado americano e entrar no México, América Central e América do Sul", diz Alan Tallis. Segundo Marino Neto, as empresas americanas estão maduras para esse movimento de expansão e não encontram outro mercado promissor no mundo. Não há espaço na Europa ou Ásia. A primeira conseqüência para os proprietários de hotéis será, segundo o consultor, uma ampla modificação nos parâmetros contratuais atuais. "Vem aí cláusula de exclusividade e sobretudo redução do percentual de honorários de administradoras. Nos Estados Unidos a queda foi de 9% para 3,5%", afirma o consultor. O mercado americano tem mais de 2 mil operadoras, enquanto em São Paulo existem apenas 33, observa Marino Neto. Os investidores aguardam ansiosos a vinda das operadoras americanas e apostam em maior rentabilidade. "Se a economia crescer não tenho dúvida de que muitas virão, mas temos que acabar com a burocracia, exigências e incertezas", afirma Filipe Demerco, presidente da Hotel Curitiba Capital, proprietário do Four Points by Sheraton Curitiba e detentor de 50% do Blue Tree Curitiba. Demerco destaca que enquanto a rentabilidade da indústria hoteleira no mundo gira em torno de 15% a 20% ao ano, no Brasil está parada em torno de 12%, no máximo. "O que vai determinar o investimento é a nossa economia porque muitas empresas estão aqui só para marcar presença, mas não têm condições de expandir-se por falta de demanda. Temos que ver como vai se comportar o mercado interno", afirma Demerco. As operadoras que já estão no Brasil, sobretudo as européias, reagem com indignação. "A vinda dessas bandeiras americanas é um movimento natural, mas é mais o interesse de oportunistas que estão se aproveitando para entrar nesse processo e trazer essas bandeiras", afirma o vice-presidente da espanhola Sol Meliá, Rui Manoel de Oliveira. O executivo concorda que pode ser que "um ou outro investidor não esteja satisfeito com alguma operadora", mas diz que "a grande verdade é que os investidores estão se dando conta que a mudança de bandeira de operadora pode ser muito custosa e requer também investimento significativo". Segundo Oliveira, a tendência é haver uma desvantagem maior para as operadoras brasileiras porque elas são desconhecidas lá fora. "Quando um executivo, turista ou empresa vai reservar o hotel aqui, precisa identificar o nome da bandeira, então a presença no mercado internacional será decisiva para a participação de cada uma no mercado interno", diz Oliveira. A estratégia da Meliá é fazer associações com americanos e aumentar a presença tanto no mercado europeu, onde ocupa o terceiro lugar, como no americano. A primeira associação da Meliá foi com o Hard Rock Hotel, que passará a usar a bandeira espanhola em todos os EUA. Apesar da crise de oferta, os próximos anos ainda assistirão a um crescimento no número de quartos, pelo menos na cidade de São Paulo, o que mantém o ambiente desfavorável para investimentos imobiliários-hoteleiros, mas positivo em relação à entrada de administradoras. Os dados anuais da BSH Travel Research mostram uma consolidação das redes hoteleiras na cidade e um aumento de 403% no número de quartos entre 1995 e 2004. Em 1995, existiam cerca de 5,8 mil unidades. Este número, em 2004, passou de 29,4 mil quartos. Até 2006, mais de 3 mil unidades em redes vão surgir no cenário paulistano - um aumento de mais 11% na oferta. Estes novos empreendimentos estão, aos poucos, mudando o mapa da distribuição de unidades dentro das categorias. Atualmente existe grande concentração de hotéis na categoria quatro estrelas (72%). Segundo estimativa da oferta futura, novos nichos de mercado serão explorados pelas redes nos segmentos de duas e três estrelas. Além da construção de novas propriedades de redes, a conversão de hotéis independentes em afiliados a redes tem ocorrido e tende a acontecer com mais freqüência nos próximos anos. Esta tem sido apontada como a saída mais rentável para o empreendimento imobiliário e o caminho natural do investidor. Só para se ter uma idéia, na categoria cinco estrelas, em São Paulo, existem apenas cinco hotéis independentes: Emiliano, Maksoud Plaza, L' Hotel, Unique e Fasano. "A grande oferta hoteleira instalada acentuou a concorrência, resultando nas quedas da diária média e da ocupação, o que tornou fundamental para a permanência no mercado a operação hoteleira profissional", conclui a pesquisa.