Título: Produção de soja pode triplicar até 2020, prevê BNDES
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2004, Agronegócios, p. B-8

Estudo mostra que Brasil tem maior potencial para ampliar área entre os grandes países fornecedores

O Brasil é o único país entre os maiores produtores de soja do mundo que tem condições de ampliar substancialmente sua área plantada para fazer face a uma demanda mundial crescente. Em 2020, a colheita brasileira poderá alcançar 140 milhões de toneladas, quase o triplo do recorde de 2003, de 51,5 milhões. A projeção é do economista Tagore Villarim de Siqueira, e consta no estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) obtido pelo Valor. "O Ciclo da Soja: Desempenho da Cultura da Soja entre 1961 e 2003" é o título do trabalho de 94 páginas, que inclui um apêndice sobre "Perspectivas para a Cultura da Soja: 2004/20". Siqueira sustenta que o Brasil vive hoje seu terceiro grande ciclo agrícola, após o da cana, no século XVI, e o do café, no século XIX. Para ele, os ciclos anteriores, apesar das restrições à monocultura, foram importantes no desenvolvimento econômico, mas o da soja tem vantagens sobre eles. Além de atrair outros empreendimentos, seja na área da agroindústria alimentar ou na de implementos agrícolas, o economista argumenta que a cultura da soja se expande de maneira diversificada regionalmente, do Sul ao Nordeste e podendo chegar ao Norte. Ele lembra que em seus auges, o ciclo do café ficou restrito ao Sudeste, e o da cana, ao Nordeste. Siqueira estima que o Brasil ainda pode, sem prejuízo de outras culturas, dobrar a área colhida nos próximos anos, enquanto seus principais concorrentes - Estados Unidos, Argentina e China - estão ou em retração (caso chinês), ou sem possibilidade de avançar sem prejudicar outras culturas (EUA e Argentina). No ano passado, a área colhida brasileira foi de 18,5 milhões de hectares, abaixo apenas dos 29,3 milhões dos EUA. Para Siqueira, somente a área produtiva dos Estados da Bahia, Piauí e Maranhão, somada ao cerrado do Tocantins, poderia agregar 15 milhões de hectares à área plantada de soja nos próximos 15 anos. Ele argumenta que na Bahia, onde a região em torno do município de Barreiras (853 km a oeste de Salvador) é hoje uma referência econômica, a soja tem a companhia de café e algodão, cultivados com alta produtividade. Bahia, Piauí e Maranhão já representam 5% da produção brasileira de soja. "A cultura está transformando uma região que era inóspita", afirma.

Além de dispor de área para plantar mais, o Brasil vem apresentando crescentes aumentos da produtividade na cultura da soja. De 1961 para 2003, a produtividade brasileira passou de 1,13 tonelada por hectare para 2,29 , um aumento de 148%. No mesmo período, a produtividade global subiu 100%, de 1,13 para 2,26 toneladas por hectare. A produtividade americana passou de 1,26 para 2,25 toneladas por hectare, enquanto a argentina, a que mais cresceu (187%), foi de 0,98 para 2,80. Mas, se for feito um corte a partir de 1990, a produtividade brasileira cresceu de lá até o ano passado mais que a argentina - de 1,73 para 2,79 toneladas por hectare, contra salto de 2,16 para 2,79 do vizinho. E, apesar do preço do produto ter apresentado fortes variações ao longo do período estudado, com forte declínio entre 1999 e 2003 (período no qual, segundo Siqueira, a rentabilidade ficou comprometida), o economista avalia que já no ano passado a margem de retorno sobre o preço de venda para o produtor variou entre 34,4%, no Paraná, e 16,7% em Minas Gerais. O estudo do BNDES mostra que as perspectivas de aumento dos consumos interno e externo da soja, para dar sustentabilidade ao crescimento da produção, estão enraizadas na mudança de hábitos alimentares - com maior consumo da proteína vegetal - e no surgimento de alternativas de produção de combustíveis renováveis, como o brasileiro biodiesel, que pode utilizar o grão como matéria-prima. Segundo Siqueira, o biodiesel seria uma solução para o debate sobre a soja transgênica, em um cenário que destinaria o produto geneticamente modificado ao consumo energético e a soja comum para consumo humano e animal. Ele sugere, também, a inclusão da soja entre os produtos da cesta básica, seja como forma de estimular mudanças de hábitos alimentares, seja como forma de fornecer proteína mais barata às populações de baixa renda. O estudo do BNDES alerta, entretanto, que todas essas perspectivas favoráveis de abertura de um novo ciclo de desenvolvimento, especialmente para as regiões Norte e Nordeste, pode esbarrar na deficiência de infra-estrutura, especialmente de transporte. Para ele, projetos como a ferrovia Transnordestina, que tornaria mais competitivo o envio da soja do Sul do Piauí ou do oeste baiano, precisam ser definidos como prioritários pelo governo, deixando para depois o equacionamento do que interessa ao setor privado fazer, o que precisa ser feito em parceria e o que o próprio governo terá que fazer. "Tudo isso se torna urgente porque há a possibilidade de o setor crescer e puxar outros setores, abrindo espaço para o desenvolvimento nacional e regional", disse Tagore Villarim de Siqueira.