Título: Produção e inflação caem, mas juro sobe
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2004, Finanças, p. C-2

O emprego não reage nos EUA. Dados sobre a criação de vagas no mês passado mudaram completamente o humor dos mercados financeiros. A economia americana gerou em setembro 96 mil novas vagas. Os analistas previam algo entre 138 e 150 mil. Os EUA não crescem no ritmo previsto. O Federal Reserve (Fed) teve subir o juro básico do atual 1,75% para 2% em sua reunião do dia 10 de novembro e depois congelá-lo nesse patamar redondo até que a atividade volte a gerar empregos. Ao contrário do BC brasileiro, que só enxerga em sua frente a inflação, o Fed vê emprego e inflação. Os dois estão baixíssimos. A apatia americana coloca em dúvida a recuperação econômica mundial. Um ambiente econômico menos febril reposiciona para baixo os preços das duas principais commodities, petróleo e aço. Na maioria dos relatórios de bancos domésticos o que se lê é que, a despeito da desinflação corrente, a inflação futura será alta por causa justamente do petróleo e do aço. É por isso que o Copom terá de continuar elevando a taxa Selic nos próximos meses. Para a reunião marcada para a semana que vem, a maioria prevê elevação dos atuais 16,25% para 16,50%. E se em novembro a bolha do petróleo furar e os sinais forem de que a economia mundial demandará menos aço? O BC estará disposto a reduzir a Selic para os 16% em que ficou de abril a agosto? O modelo matemático básico do BC não prevê essas variáveis. A partir de dois dados - taxa de juros e taxa de câmbio -, obtém-se uma determinada inflação. No último relatório de inflação se verifica que para uma Selic constante de 16,25% e um câmbio imutável de R$ 2,90, a inflação será de 5,6% em 2005, acima do alvo ajustado de 5,1%. Para atingir esses 5,1%, ou o juro sobe ou o câmbio cai. Nesse modelo não há espaço nem para as expectativas de inflação das cem instituições pesquisadas semanalmente nem para o hiato do produto, a diferença entre produção efetiva e produção potencial. O petróleo e o aço, talvez por serem tangíveis demais, ficam de fora. Nos modelos do BC e do mercado há ciência preditiva demais e nenhuma margem para acomodar o imprevisto resultante do funcionamento dinâmico da economia. É por isso que se trata de vislumbre sujeito a engano, mas o BC sempre prefere subir o juro a correr o risco inflacionário.

Indústria pode não ter crescido em agosto

Ninguém no mercado ou o BC têm um modelo confiável para o hiato do produto. A ciência matemática não consegue medir o possível impacto adverso resultante de velocidades descasadas de produção e consumo. Nem tais velocidades são mensuráveis. Mas essa incapacidade não inibe um movimento de juros que custa R$ 2 bilhões extras ao ano a cada alta de 0,25 ponto da Selic. Prefere-se confiar num modelo impreciso do que no dado real e concreto. Essa dado sai hoje. Justamente num dia de feriado nos EUA (Dia de Colombo), que antecede um feriado local (N.S. Aparecida), o IBGE divulga o número mais importante da semana, a produção industrial de agosto. Esse dado não anima muito aos bancos. Prevê-se uma interrupção do crescimento em relação à julho. Se o dado do período anterior já mostrava alta modestíssima de 0,50%, o referente a agosto deve variar de -1 a 0 em relação a julho. O que os dados reais dizem é que a produção cresce quase nada e a inflação está acanhadíssima. E é óbvio para todo mundo que nesse contexto o juro básico - já o segundo mais alto do mundo - terá de subir no próximo dia 20. Na sexta-feira, mesmo sob o efeito do IPCA de setembro - de 0,33%, quando as previsões oscilavam entre 0,35% (as já revistas para baixo) e 0,60% (não revistas) - a projeção de CDI para a virada do mês subiu de 16,29% para 16,30%, sustentando o prognóstico de elevação da Selic em 0,25 ponto percentual. Petróleo esfria entusiasmo Os mercados exibiram na sexta-feira comportamento em dois tempos. De manhã, o expressivo declínio dos juros dos treasuries de 10 anos - de 4,24% para 4,13% - por causa da decepção com o emprego americano estimulou as bolsas, derrubou o risco Brasil e o dólar. A Bovespa chegou a subir 1%, o dólar a recuar para R$ 2,8160 e o risco-país a tombar 4,15%, para 439 pontos-base. Mas, à tarde, o petróleo pesou de novo. Em Nova York, o barril estabeleceu mais um recorde, a US$ 53,31, e esfriou o entusiasmo. A Bolsa paulista fechou em baixa de 0,74%, a 23.926 ponto. Na semana, acumulou alta de 0,63%. O risco-país e o dólar suavizaram as suas quedas. O primeiro fechou a 447 pontos-base (queda de 2,4%) e o segundo, a R$ 2,8290, baixa de 0,77%.