Título: Sombra e água fresca
Autor: Flavia Lima
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2004, Eu & Investimento, p. D-1

Fundos de previdência aberta captam quase o mesmo valor de todos os demais fundos de investimento no ano até setembro, apesar da rentabilidade

A previdência complementar aberta está liderando os investimentos em fundos no ano. Até setembro, os fundos de previdência captaram R$ 6,7 bilhões, praticamente o mesmo que todos os demais fundos de investimento juntos. Um crescimento de 20% se comparado a igual período do ano passado, quando as carteiras de previdência, puxadas pelo Plano de Gerador de Benefício Livre (PGBL) e pelo Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), captaram R$ 5,6 bilhões, segundo estudo do site Fortuna. No mesmo período, os demais fundos captaram R$ 7 bilhões. Esse desempenho chama mais a atenção pelo fato de os fundos de previdência representarem apenas 6% (R$ 31,4 bilhões) dos R$ 505 bilhões aplicados em fundos no mercado. Até setembro, as captações nas seis categorias de fundos de previdência acompanhadas pelo Fortuna subiram entre 20% e 40%. Já entre os fundos de investimento, os Balanceados foram os que mais cresceram em termos percentuais, mas a alta não chegou a 14%. A categoria Outros - justamente o setor que mais captou entre os fundos de previdência, com alta de 37,8% - encolheu 23,3% entre os fundos de investimento. A exceção são os Cambiais, com saques nos dois casos. Nem tudo, no entanto, vai bem com a previdência aberta. Se em termos de novos recursos o fôlego é inquestionável, quando o assunto é rentabilidade a situação se inverte. Dados do Fortuna indicam que as carteiras de previdência renderam, em média, 1,5 ponto percentual abaixo do ganho obtido pelos fundos comuns até setembro. Entre os Multimercados, essa diferença chegou a 2,9 pontos percentuais e poderia ser ainda maior. Segundo o sócio do Fortuna Marcelo D'Agosto as rentabilidades médias registradas por todos os fundos são líquidas de taxa de administração, mas não do custo de carregamento, que é a taxa incidente sobre novos aportes feitos em fundos de previdência. Alexandre Póvoa, diretor da Modal Asset Management, afirma que os fundos de investimento são mais rentáveis porque combinam custos mais competitivos e gestão mais ativa. O presidente da Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp), Osvaldo do Nascimento, concorda. "Os fundos de investimento têm patrimônios muito superiores do que os de previdência e, por isso, podem cobrar taxas menores", diz. Segundo o executivo, entre fundos DI, por exemplo, os maiores de previdência alcançam no máximo 25% do volume reunido pelos fundos comuns. Sendo assim, diz Nascimento, a comparação entre rentabilidades só é possível se for feita entre fundos de patrimônios próximos e em um prazo mais longo. "A partir do quarto ano é possível comparar os dois". Indo ainda mais longe, Nascimento, que é também principal executivo da Itaú Vida e Previdência, afirma que um PGBL Renda Fixa que aceite contribuições mais volumosas - acima de R$ 10 mil, por exemplo -- tende a ter uma rentabilidade superior a um fundo comum de mesmas características, em razão da isenção de tributação sobre a fase de acumulação do produto de previdência. "Nós não temos o come-cotas dos fundos", lembra, em referência ao imposto cobrado atualmente, de 20% ao mês. Já um VGBL, ressalta, dificilmente apresentará performance melhor que um fundo de mesmas características no curto prazo. O produto é tributado no resgate de acordo com a tabela progressiva do IR, ou seja, em até 27,5%, enquanto um fundo comum hoje é tributado em 20%.

Rentabilidade no ano das carteiras de previdência ficou 1,5% em média abaixo da obtida pelos fundos de investimento comuns

Profissionais concordam, contudo, que é preciso cuidado nas comparações, já que os produtos têm características distintas. Marco Antonio Rossi, diretor presidente da Bradesco Vida e Previdência, maior empresa do setor, com carteira de investimento de R$ 30 bilhões, incluindo fundos fechados para empresas, lembra que a contratação de um plano envolve cálculos atuariais de benefícios futuros, ou seja, custos maiores assumidos pela companhia. "Previdência é valor futuro", diz. "Dá até para compará-la com fundos, mas não deveria", emenda. Nascimento reforça as características de longo prazo dos fundos de previdência e reconhece que o investidor que pensa em aplicar por um ou dois anos deveria optar pelos fundos comuns. Alexandre Póvoa, da Modal, por sua vez, acredita que os fundos de previdência são bons para quem não tem disciplina para poupar. Todas essas considerações ainda não explicam, porém, como um produto com rentabilidade inferior consegue sustentar um volume de captação tão expressivo. Uma pista pode ser a enorme rede de distribuição dos produtos abertos nos bancos de varejo, aliada aos tíquetes mais baixos exigidos pelos fundos de previdência - é possível aplicar R$ 50 ao mês em um plano desses. "Os distribuidores conseguiram desenvolver ações de marketing que permitem captar volumes pequenos de uma base grande de clientes", afirma D'Agosto, do Fortuna. A tendência das empresas privadas oferecerem poupança de longo prazo a seus funcionários na forma de planos de previdência abertos, em detrimento da criação de fundos de pensão, também tem contribuído para o forte avanço do setor. Dados da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) indicam que as contribuições dos participantes dos fundos fechados se mantêm estáveis em cerca de R$ 8,5 bilhões desde 2002. Nesse período, a captação líquida dos fundos de previdência aberta saltou de R$ 4 bilhões para R$ 9 bilhões registrados no ano passado. Além disso, o número de fundações tem se mantido estável por volta de 360 entidades desde 1999. "Como o número de empresas que oferece previdência a seus funcionários é muito maior, é provável que elas estejam optando por fundos abertos", diz D'Agosto. Antonio Jorge da Cruz, diretor da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), lembra que os rumos do mercado de trabalho interferem no crescimento dos fundos de pensão. Para fazer parte de uma fundação é preciso ter vínculo empregatício ou ao menos associativo. "Além disso, é sempre possível para a instituição financeira atrelar a venda de um produto financeiro à aquisição de um fundo de previdência", diz.

Enquanto os fundos de pensão fechados apresentam captação estável no ano, os abertos têm maior potencial para crescer

Estudo apresentado pelo professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP Hélio Zylberstajn aponta que os trabalhadores com renda a partir de cinco salários mínimos formam o principal mercado consumidor de planos de previdência, o que corresponde a um universo potencial de 8 milhões de pessoas. Nesse universo, porém, os fundos de pensão fechados teriam pouco espaço, alerta Cruz. Ele calcula entre cinco e sete mil o número de empresas que poderiam oferecer previdência a seus funcionários. Se cada empresa reunisse, em média, 200 empregados, não passaria de 1,4 milhão de pessoas o espaço para avanço dos fundos de pensão. Para Nascimento, da Anapp, o crescimento da previdência aberta está diretamente ligado a uma maior preocupação das empresas do setor de seguridade com a transparência e a solvência, que é reconhecida pelos aplicadores. "Se meu sindicato cria um fundo, a pergunta é se eu confio ou não nele para cuidar de minha poupança de longo prazo", diz, referindo-se aos recém-lançados fundos instituídos por associações de classe. Segundo ele, a previdência aberta deve dobrar de patrimônio no próximo ano, puxada pela nova tributação do setor. Conciliador, Cruz, que é também superintendente da Previma, fundo de pensão das clearings de ativos do mercado, afirma que há espaço para todos. Segundo ele, muitos executivos participam da previdência fechada e a complementam com a previdência aberta. Póvoa, da Modal, avalia que o aumento da renda favorece os investimentos como um todo. "Mas dentro do setor, os planos de previdência não têm concorrência no longo prazo".