Título: Países tentam destravar discussão agrícola
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, Brasil, p. A6

O Brasil deverá juntar forças com os Estados Unidos para pressionar pelo desbloqueio da negociação sobre assuntos agrícolas na Organização Mundial do Comércio (OMC), em reuniões ministeriais previstas para ocorrer hoje e nos próximos dois dias, em Paris. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o novo representante comercial dos Estados Unidos, Rob Portman, vão se encontrar hoje à noite na capital francesa para discutir o andamento das negociações da Rodada Doha da OMC e também da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). "O Brasil e o G-20, assim como os Estados Unidos, querem resolver rapidamente o impasse na negociação agrícola e abrir caminho para um pacote de julho na OMC", disse o subsecretário de assuntos comerciais do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Clodoaldo Hugueney. "Trabalhamos com a hipótese de concluir a rodada em 2006", acrescentou. "Estamos prontos a avançar em outras áreas, como serviços e produtos industriais, mas sem progressos em agricultura isso fica insustentável." Ao ter seu nome confirmado na sexta-feira pelo Congresso americano para dirigir o USTR, espécie de ministério do comércio exterior dos Estados Unidos, Rob Portman disse que estará em Paris para ver com os outros ministros como "reduzir diferenças", e reafirmou o comprometimento americano para "completar uma Rodada Doha ambiciosa em 2006". Às vésperas das articulações em Paris, o diretor-geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, lançou um grito de alarme. Advertiu que as discussões para liberalizar o comércio mundial "estão à beira da crise". O plano traçado originalmente prevê que os países cheguem a vários compromissos até julho, para possibilitar o sucesso da conferência ministerial de Hong Kong, programada para dezembro. É para avançar na tentativa de uma "primeira aproximação" de acordos que cerca de 30 ministros estarão nesta semana em Paris, para reuniões bilaterais, em grupos e também numa mini-conferência. O problema é que a negociação dos temas agrícolas sequer começou de verdade na parte que mais interessa, onde são discutidos mecanismos de acesso ao mercado como cortes de tarifas e redução de cotas, porque os países mais protecionistas nessa área não demonstram vontade política para avançar. Para definir uma fórmula de redução tarifária, os países precisam converter tarifas específicas (fixadas em valores) para tarifas ad valorem (denominadas em porcentuais dos preços das mercadorias). Isso porque a União Européia e outros países com políticas agrícolas altamente protecionistas têm grande parte de suas alíquotas expressas em valores fixos. Isso esconde o grau de proteção dado a seus produtores agrícolas. A maneira como a conversão será feita pode afetar o tamanho do corte nas suas tarifas, na fase posterior da negociação. Há duas semanas, até os suíços do G-10, o grupo mais protecionista nessa discussão, aceitaram um acordo. Mas na hora de bater o martelo foi a União Européia que recuou alegando ter havido um "equívoco". Além disso, os europeus agora contestam a composição do G-5, também chamado "Cinco Partes Interessadas" (ou FIV, na sigla em inglês), o grupo que reúne os principais parceiros agrícolas: Brasil, Estados Unidos, União Européia, Austrália e Índia. Para importantes negociadores, os europeus querem na verdade acabar com o grupo, que tem sido eficaz na definição de compromissos. O embaixador Hugueney antecipou a posição brasileira: não quer ampliar o grupo. Considera que funciona bem, como foi demonstrado no pacote que definiu princípios para a negociação dos temas agrícolas em julho do ano passado. No entanto, mais e mais países resistem a apoiar o consenso para acordos dos quais estiveram do lado de fora. Além do problema da conversão das tarifas, o futuro do grupo estará em debate hoje em reuniões de funcionários e amanhã no encontro dos ministros. Na quarta-feira, a mini-reunião ministerial discutirá a Rodada Doha como um todo. O diretor-geral da OMC, Supachai, disse esperar avanços também na negociação de produtos industriais. "Simplesmente não podemos esperar que haja movimento na agricultura para se fazer progressos aqui [na negociação industrial]." Mas a posição brasileira sobre esse tema foi reafirmada pelo embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, chefe da missão brasileira em Genebra: "Sem agricultura, o resto não anda." No encontro bilateral desta noite, Amorim e Portman vão abordar também a Alca. Funcionários brasileiros vêem nessa conversa uma boa ocasião para retomar as discussões sobre o projeto, há meses paralisado. Por sua vez, o porta-voz do USTR, Richard Mills, reiterou no fim de semana a intenção dos Estados Unidos de avançar na negociação e espera que o Brasil também exiba a mesma disposição. "Dividimos a responsabilidade de liderar a negociação e é importante fazer isso", disse. Alem da Rodada Doha, o que ocupará as atenções dos ministros é a disputa pelo cargo de diretor-geral da OMC. O francês Pascal Lamy e o uruguaio Carlos Perez Del Castillo, os dois candidatos que chegaram à fase final da competição, estarão em Paris para tentar obter o apoio final de países importantes. Os uruguaios visivelmente contam com a possibilidade de alguns países formalizarem o veto a Lamy. Segundo analistas na cena genebrina, o candidato europeu é o que parece ter mais apoio, mas também o que acumula mais objeções. A questão toda é se os países que não gostam de Lamy vão agüentar a pressão e se opor formalmente. No cenário atual, nos corredores da OMC a aposta mais forte é no candidato europeu.