Título: Rodada pode beneficiar regiões mais pobres e prejudicar centros industriais
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, Brasil, p. A6

Um corte de 50% nos impostos de importação de bens não-agrícolas nas negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC), irá reduzir a pobreza em Estados do Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, onde a agricultura tem maior peso na economia. Mas em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde se concentra a atividade industrial, haverá aumento no grau de pobreza. Esse cenário considera a perspectiva de retração em setores da indústria hoje protegidos e que deverão ter suas tarifas reduzidas no processo de liberalização do comércio mundial. "Há setores que vão ganhar e outros que perderão, ou seja, poderá se observar um trade-off (uma troca) entre a expansão do setor agrícola e a retração na indústria no país", previu Joaquim Ferreira Filho, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ligada à Universidade de São Paulo (USP). Ferreira participou na sexta-feira de um seminário promovido pelo Banco Mundial (Bird) e pela Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) e o Valor. O relatório de Ferreira busca analisar os potenciais ganhos e perdas da integração comercial no âmbito da Rodada Doha, levando em conta a idéia segundo a qual o Brasil seria ganhador no processo de reforma global do comércio agrícola. Os cenários simulados consideram que a agricultura tem tarifas aplicadas bem inferiores às consolidadas na OMC, que os cortes nas tarifas agrícolas devem ser grandes para impactar os fluxos de comércio e que os subsídios às exportações serão abolidos. O trabalho também utilizou fórmula não-linear com cortes máximos de 75% nas tarifas. No acesso a mercados para bens não-agrícolas, o estudo observou a possibilidade de 50% de corte nos impostos de importação e o tratamento especial e diferenciado, com cortes menores nas tarifas para os países em desenvolvimento. O trabalho mostra que a reforma do comércio elevará os preços agrícolas em relação aos preços industriais no Brasil. O Brasil é grande exportador agrícola e o melhor acesso a mercado em agricultura poderá alavancar as exportações do setor, com conseqüente aumento de preços dos produtos alimentícios. "Outra das conclusões é que os ganhos da rodada estariam concentrados nas famílias mais pobres que dependem mais da agricultura", avaliou Ferreira. A simulação feita no estudo indica que 236 mil pessoas deixariam de ser pobres no Brasil. Ferreira enfatizou que, na medida em que a agricultura aumenta seu nível de atividade, os preços agrícolas tendem a subir, com as famílias sendo beneficiadas pelo lado da renda. Mas há outros efeitos pelo lado da despesa, como a elevação dos preços agrícolas. O resultado é que a renda nominal dos mais pobres sobe e a renda dos mais ricos cai por força da realocação da atividade industrial no país.