Título: Rússia não tira embargo à carne
Autor: Robinson Borges
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2004, Brasil, p. A-3

O esforço da missão brasileira chefiada pelo vice-presidente José Alencar para convencer o governo russo a suspender o embargo às carnes brasileiras durante a reunião Brasil-Rússia, ontem, em Moscou, foi em vão e não há previsão para o desfecho dessa disputa. "Estamos buscando o entendimento por meio das análises de peritos russos e brasileiros para continuar a importação, mas queremos preservar os russos de doenças oriundas da carne brasileira. Não chamo a medida de embargo e a decisão só tem motivação fitossanitária", disse Mikhail Fradkov, primeiro-ministro da Rússia, que presidiu a delegação russa na reunião. O presidente Vladimir Putin, que será o primeiro chefe de Estado russo a visitar o Brasil, no dia 21 de novembro, também recebeu o vice-presidente no Kremlin por uma hora, o dobro do tempo previsto. "Ele acha que o Brasil e a Rússia têm sinergias e devem aperfeiçoar suas relações bilaterais", afirmou Alencar. Putin também reiterou o apoio à entrada do Brasil no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A Rússia só mantém esse tipo de reunião de alto nível com cinco países (Estados Unidos, China, França e Ucrânia). Mas o aperfeiçoamento de relações bilaterais exige discussões e "muito trabalho", como disse Alencar. Logo após a visita ao Kremlin, o vice-presidente teve uma reunião fechada com o vice-primeiro ministro da agricultura russo, Alexei Gordeev, à qual o Valor teve acesso. Os dois lados da mesa mantiveram posições agressivas em defesa de seus pontos de vista. "A Rússia enfrentou este tipo de problema (a febre aftosa) no início do ano com a União Européia e suspendeu as importações", justificou Gordeev. O vice-primeiro ministro também observou que a Rússia e a Europa não dispõem de vacinas contra a febre aftosa do tipo C, a mesma que foi identificada no Amazonas em setembro e que levou a Rússia a suspender a importação de carnes brasileiras. Diante da negativa e do receio de uma solução de longo prazo para o embargo, José Alencar endureceu seu discurso. Garantiu, em nome do Brasil, que "não sairá uma carne do Brasil com qualquer tipo de doença do país". O secretário-executivo de Agricultura, Pecuária e abastecimento, José Amauri Dimarzio, também destacou a posição brasileira dizendo que o país exporta carne para 127 países e apenas a Rússia embargou a importação. E respondeu a Gordeev que o Brasil tem vacina para as febres aftosas do tipo A, O e C e que essa tecnologia já é exportada para a América do Sul e poderia ser estendida à Rússia. "Obrigado pela proposta de apresentação de vacinas, mas a minha maior preocupação é com a exportação de doenças, antes de tudo. Queremos evitá-las", disse Gordeev. Caso o embargo ultrapasse o dia 15 de novembro, o prejuízo para o setor deve chegar a US$ 150 milhões. As pressões políticas devem ter uma pausa e, a partir de ontem, as negociações devem ser coordenadas por técnicos russos com base num relatório de 500 páginas entregue pelo Brasil ao Ministério da Agricultura russo, em resposta a um questionário elaborado pelo governo russo de sete páginas como exigência para uma solução para o problema. José Alencar também explicou que a região em que a febre aftosa foi identificada não faz parte do circuito de produção de carne para exportação e que a produção era muito menor do que a das grandes produtoras. Gordeev afirmou que pode, portanto, estudar uma forma de rever as regras sanitárias. O Brasil é visto hoje como um todo e pode ser dividido em regiões fitossanitárias. Por isso, se há foco em qualquer lugar, é preciso suspender a importação, alega o governo russo. Mas com essa proposta nova, quando um foco for identificado, apenas aquela região ficaria com sua produção em suspenso. A idéia foi bem-vista por Mikhail Fradkov. Uma outra sugestão foi bem aceita pelo primeiro-ministro. "Foi apresentada uma proposta de se criar uma joint-venture de produção de carne de empresas brasileiras e russas", disse o primeiro-ministro. Segundo o Valor apurou, o projeto é incipiente, mas deve contemplar a industrialização de carne brasileira na Rússia. A Sadia, uma das maiores exportadoras do Brasil para a Rússia, teria demonstrado interesse. Tanto na visita ao presidente Putin, como na reunião de alto nível, e nos encontros com o ministério da agricultura outro tema teve destaque: o sistema de cotas de importação de carne estabelecida pela Rússia. Desde 2003, está em vigor a cota de 1,9 milhão de toneladas para a carne, dividida entre vários países fornecedores. Em primeiro lugar estão os Estados Unidos com uma reserva de 771 mil toneladas. O Brasil se enquadra na categoria outros e só obteve maior espaço por causa de problemas fitossanitários de outros fornecedores. "Embora o Brasil seja o principal player de carne, estamos na categoria outros", reclamou Pedro de Camargo Neto, presidente do Fundo de Desenvolvimento da Pecuária de São Paulo (Fundepec) e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, durante o seminário "Relações Econômico-Comerciais Brasil-Rússia: Oportunidades de Negócios e de Investimentos'', realizado anteontem na Câmara de Comércio e Indústria da Federação russa. De acordo com Dimarzio, o Brasil propôs que antes da entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC), o país deveria substituir o sistema de cotas por tarifas. O vice-presidente José Alencar tambem encaminhou esta proposta ao presidente Putin e ao primeiro-ministro Fradkov.