Título: As bolsas de valores são necessárias?
Autor: John Gapper
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, Opinião, p. A13

James Thurber e E.B. White escreveram um livro chamado "Is Sex Necessary?" (O sexo é necessário?). Já sabemos qual é a resposta para essa pergunta: não. A tecnologia permite que a concepção ocorra por outros meios, embora existam bons motivos para que as pessoas ainda usem o método testado e confiável. A enxurrada de fusões e aquisições em Wall Street provoca uma questão análoga: as bolsas de valores são necessárias? O fato de a maioria das transações com títulos ainda serem realizadas nas dependências das bolsas, ou por meio de bolsas eletrônicas, não significa que deva ser assim. Dois investidores em busca de um sócio comercial plenamente compatível podem encontrar um local de encontro por outros meios. À luz disso, os eventos recentes pouparam a Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) e o Nasdaq de resvalarem na irrelevância. Ao se unirem a dois dos mercados eletrônicos (ECN) que comprimiram as transações nos pregões e na formação de preços das bolsas, as duas maiores bolsas dos EUA garantiram o seu futuro na comercialização de valores mobiliários. O NYSE está adquirindo a Archipelago, enquanto a Nasdaq está absorvendo o mercado eletrônico da Instinet. Essas bolsas, em vez de exigirem que os investidores operem com os especialistas da NYSE ou com os formadores de preço da Nasdaq, podem se adequar tranqüilamente à expansão das carteiras de pedidos eletrônicas. A fusão de ECNs com bolsas significa que as ações serão transacionadas da mesma forma como em Londres, Paris e Frankfurt: a maioria dos pedidos de papéis com liquidez será processada quase automaticamente. Porém, isso não é o fim da história em operações em bolsa, como assinala Benn Steil, do Council on Foreign Relations. Embora investidores tenham uma tendência de obter melhores negócios a partir de operações automatizadas, na comparação com formadores de preço humanos, as bolsas de valores continuam sendo locais de transação imperfeitos para os maiores investidores, as instituições que querem comprar e vender grandes blocos de ações. O problema é o tamanho. Nenhum fundo de investimento quer declarar abertamente que possui 500 mil ações da Microsoft para vender. O mercado seria pressionado para baixo até a operação ser executada, pois sua ordem de venda poderia se sobrepor em importância a muitas ordens de compra de pequeno valor. Se o cenário se mantiver, o preço voltará a se apreciar, oferecendo um lucro a todos os que operaram contra o fundo. Como resultado, os fundos institucionais não se dirigem diretamente às bolsas de valores para comprar e vender grandes blocos de ações. Freqüentemente eles preferem, em vez disso, executar essas operações por meio de bancos que as processam internamente com outras ordens ou as fragmentam. A transação média da NYSE caiu para 400 ações, apesar de a transação institucional média ser de 250 mil ações. Isso tem inconvenientes. O banco não só precisa ser remunerado, como também ganha acesso à mesma informação privilegiada sobre fluxos de transações que os corretores de pregões desfrutam nos pregões das bolsas de valores. Munido desse conhecimento, o banco reúne melhores condições para predizer a direção dos preços nas bolsas e para aferir lucros isentos de riscos. O investidor pode fazer um bom negócio em um bloco de transações ao preço de conceder ao banco uma vantagem de ponta a ponta.

Instituição com bloco grande de ações para vender pode encontrar comprador sem expor sua posição ou movimentar o mercado

Os avanços da tecnologia estão facilitando aos investidores evitar a dependência dos bancos. Em vez de pedir ao banco para comprar um grande bloco de ações, para depois dividi-lo, um investidor pode usar um software de transação algoritmo para fragmentar o seu pedido e distribui-lo através dos mercados públicos. Isso facilita ao investidor institucional dissimular o seu lote - na verdade, permitindo a ele aparentar ser um vendedor bem menor do que realmente é. Continua sendo um método de trabalho muito bizarro para o funcionamento dos mercados. Milhares de grandes transações são constantemente partidas em pequenos pedaços para permitir sua circulação pelas bolsas eletrônicas, para logo depois serem reagrupadas em blocos. Isso não só é oneroso, como também desnecessariamente complexo. É como se a rede de varejo Tesco, no propósito de comprar Coca-Cola suficiente para colocar em suas prateleiras, tivesse de contatar milhares de pequenos fornecedores para comprar umas poucas latas de cada um deles para juntá-las em caixas. Certamente, na era da internet e das redes de comunicação "peer-to-peer" [rede de dois ou mais computadores que se comunicam e compartilham dados diretamente, sem intermediação da hierarquia servidor/cliente], deveria existir uma forma mais simples para as instituições interagirem. Na verdade, existe. Uma instituição com um bloco de ações para vender precisa encontrar um comprador igualmente grande sem divulgar a sua posição. O par então pode fechar um negócio sem movimentar mercados, sem precisar fragmentar pedidos ou passar por um banco. Esta é a lógica por trás de empresas como a Posit e a Liquidnet, entre as corretoras institucionais com crescimento mais acelerado em Wall Street. A Liquidnet emprega um pedaço do software "peer-to-peer" para processar grandes ordens de compra e venda anonimamente, e depois permite aos dois investidores negociar um preço antes de concluir um negócio, que é divulgado no Nasdaq ou na Bolsa de Valores de Londres. A idéia de instituições de investimento poderem cruzar grandes pedidos longe das bolsas já circulou por algum tempo; realmente, ela foi o primeiro ramo de negócios da Instinet em 1969. A iniciativa de instituir bolsas eletrônicas nos EUA e na Europa, a fragmentação da liquidez e a ascensão da internet, porém, está conferindo impulso a ela. E deve mesmo: se filmes e músicas podem ser prontamente intercambiados por meio de redes peer-to-peer, porque não ações? Na situação atual, a Liquidnet se baseia nas bolsas públicas para estabelecer preços: a maioria das transações é fechada num valor próximo do preço médio cotado naquele momento. Não é irreal imaginar redes peer-to-peer se desenvolvendo entre investidores de grande porte a ponto de tais transações começarem a liderar, em vez de seguirem, os movimentos de preços das ações. É claro, tudo isso suscita questões políticas sobre quanto as operações institucionais poderão divergir das bolsas de valores públicas. Os órgãos reguladores de valores mobiliários já tentaram equivocadamente limitar a formação de preços fora das bolsas praticada por bancos. Contudo, como a indústria da música já descobriu, é difícil refrear a onda peer-to-peer. Para alguns investidores, as bolsas poderão se tornar desnecessárias.