Título: Pneus e café solúvel opõem UE e Brasil
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2004, Brasil, p. A-4

A União Européia (UE) e o Brasil estão em rota de colisão sobre o comércio de café solúvel e de pneus, coincidindo com o momento particularmente sensível de impasse nas negociações UE-Mercosul. Bruxelas deu prazo até o final deste mês para o Brasil retirar a proibição à importação de pneus reformados europeus e também à multa ambiental cobrada de quem importa o produto. Se as medidas não forem suspensas, a UE vai denunciar o país na Organização Mundial de Comércio (OMC) por violação das regras internacionais. Além disso, a UE recusa prorrogar cota para o café solúvel brasileiro e já informou Brasília que, como previa, a isenção tarifária atual para 14 mil toneladas do produto só vai durar até dezembro de 2005. Se no caso dos pneus é a UE que brande a ameaça de denúncia na OMC, no do café solúvel é o Brasil que pode tomar essa atitude. Fontes em Bruxelas, contudo, dizem que os dois temas voltaram agora à tona "por mera coincidência, até por inércia da burocracia" e que esses movimentos não teriam relação com o impasse das negociações birregionais. A UE enviou ao governo brasileiro relatório da investigação interna que examinou o problema dos pneus, e que teve suas recomendações aprovadas pelos 25 Estados-membros num comitê consultivo sobre barreiras ao comércio. Em Bruxelas, as sinalizações são de que no momento se busca "solução mutuamente satisfatória" para não se chegar a um painel (comitê de arbitragem) na OMC. Os europeus reclamam de crescentes prejuízos desde que o Brasil passou a proibir a importação de pneus usados ou reformados, em 2000, sob alegação de que causam danos ambientais. Segundo Bruxelas, suas exportações de pneus reformados para o Brasil caíram de 10 mil toneladas em 1998 para 4 mil toneladas no ano de 2002. Ao mesmo tempo, contudo, o Brasil disparou na importação de pneus usados, inclusive da própria Europa. Isso, graças a uma liminar obtida por grupos locais sob o argumento de que o pneu usado não deteriorava o meio ambiente porque era reformado e rodava quase como um novo. O lucro nessa operação é alto, segundo fontes do mercado: o pneu importado custa cerca de US$ 1,0. Depois de reformado, a revenda como seminovo chega a US$ 25. Assim, os brasileiros preferem importar o pneu usado ao reformado europeu, inclusive sem pagar multa, graças à liminar obtida. Bruxelas acha que tem bons argumentos para ganhar uma disputa na OMC. Alega que a OMC já definiu que pneu reciclado deve receber o mesmo tratamento de um produto novo no comércio internacional. E denuncia tratamento discriminatório, pois o Brasil proíbe o pneu reformado da Europa, mas autorizada a entrada do mesmo produto procedente do Uruguai. Com relação ao café solúvel, a cota atual de 14 mil toneladas com isenção tarifária foi negociada com a UE para compensar o tratamento discriminatório sofrido em relação a concorrentes como Colômbia, Equador e outros países da América Central, já que o produto brasileiro é taxado 9% fora da cota e àqueles não. Este ano, o Brasil solicitou manutenção e aumento da cota para os próximos anos, em razão da entrada de dez novos países na comunidade européia desde 1º de maio ultimo. Alguns deles tiveram de aumentar suas alíquotas para 9%, porque a cota européia atual não os inclui. No entanto, Bruxelas recusa as demandas brasileiras. Primeiro, diz que só vai dar a cota até o ano que vem. Argumenta que não tem obrigação de mantê-la e que só a concedeu há três anos porque o Brasil aceitara não abrir um painel (comitê de disputas) na OMC contra seu chamado "regime drogas". Desde então, outro país, a Índia, denunciou esse mecanismo pelo qual Bruxelas isenta de alíquotas as importações procedentes da Indonésia e de outros 11 países latino-americanos que combatem a produção ilícita de drogas. O resultado é que a UE tem prazo até julho de 2005 para elaborar um novo "SGP+", com base em critérios mais transparentes. Mas o embaixador do Brasil na UE, José Alfredo Graça Lima, alertou os europeus que se a discriminação contra o café brasileiro continuar em relação a concorrentes como Colômbia, o Brasil não terá outra alternativa a não ser denunciar a UE na OMC. Havia expectativa de se garantir melhor acesso do café solúvel ao mercado comunitário pela negociação UE-Mercosul. Os europeus propuseram oralmente a negociação "zero por zero", pela qual os dois blocos eliminariam ao mesmo tempo a tarifa de importação sobre o produto. Ocorre que na oferta piorada apresentada recentemente, a EU só prevê alíquota zero ao final de dez anos. Mas na Europa há pouco interesse em permitir acesso para o café solúvel brasileiro. Basta ver que a Alemanha, sem plantar um único pé do produto, tornou-se um dos maiores produtores e exportadores mundiais de café solúvel graças à escalada tarifária na Europa: o grão de café entra livre de tarifa, enquanto o solúvel paga 9%. Assim, os alemães importam sem alíquota, processam, fazem o marketing e embolsam o valor agregado, que pode chegar a 75% do preço total.