Título: Montadoras locais já ameaçam a hegemonia das gigantes na China
Autor: Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, Empresas &, p. B10

Debatendo-se em várias partes do mundo, as grandes fabricantes de automóveis estão dependendo cada vez mais da China, com seu 1,3 bilhão de potenciais clientes, para melhorar seus desempenhos. Há muitas previsões reconfortantes. A consultoria McKinsey acredita que a China, que já é o quarto mercado automobilístico do mundo, com vendas de 2,3 milhões de veículos em 2004, vai superar a Alemanha este ano e o Japão até 2010. Os Estados Unidos, onde 17 milhões de automóveis são vendidos todos os anos, poderão ser ultrapassados logo depois. Esta foi a mensagem oficial do Salão do Automóvel de Xangai, encerrada na sexta-feira. Mesmo assim, na verdade o mercado da China está "adoentado". Depois de crescer mais de 55% em 2002 e mais de 75% em 2003, o crescimento das vendas de automóveis diminuiu abruptamente no ano passado, para 12%. No primeiro trimestre de 2005, as vendas caíram quase 8%, embora tenha havido um pequeno crescimento em março. O principal culpado é o aperto do governo - com a finalidade de conter o grande crescimento da economia do país - aos financiamentos a automóveis que alimentaram grande parte do crescimento espetacular recente das vendas. Isso está entrando em choque com um grande aumento da capacidade de produção, resultado das previsões otimistas de crescimento anteriores. Nos últimos dois anos, quase todas as montadoras estrangeiras demonstraram interesse em aumentar a produção na China continental. Apesar de recentemente ter emitido um alerta sobre as margens de lucro, graças à guerra de preços, a General Motors (GM) afirma que vai prosseguir com seu plano de duplicação da capacidade de produção para 1,3 milhão de unidades até 2007. No total, as montadoras estrangeiras e suas sócias locais em joint ventures pretendem investir US$ 15 bilhões para triplicar a produção para mais de 7 milhões de veículos até 2008. Tal crescimento e o conseqüente excesso de oferta são comuns nos mercados emergentes - sempre levando a um estouro. Na China, os problemas de capacidade são exacerbados pelo crescimento das fabricantes de automóveis domésticas. A saturação ameaça cortar os preços, já afetados pela redução da demanda e o compromisso assumido pela China junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), de reduzir suas elevadas tarifas sobre os carros importados. O preço de um Volks Jetta, um modelo popular na faixa média de preços, já caiu um terço nos últimos três anos, para US$ 12 mil em 2004. Isso está afetando a lucratividade. Em 2003, a VW lucrou mais de US$ 500 milhões na China, dois terços de seus lucros mundiais totais. No ano passado, os lucros chineses recuaram a menos da metade; o banco de investimento Goldman Sachs prevê que a VW vai perder mais de US$ 500 milhões na China este ano. Sua participação de mercado - 50% não muito tempo atrás - caiu para cerca de 10%. Subitamente, mudanças administrativas se tornaram uma coisa comum. Em 17 de abril, a VW disse que Winfried Vahland, vice-presidente do conselho de administração de sua unidade Skoda, vai substituir Folker Weissberger, um ex-membro do conselho responsável pela China, e Bernd Leissner, presidente das operações na China, que vai se aposentar. Semanas antes, a GM anunciou a partida de seu presidente na China, Phil Murtaugh. Os novos chefes enfrentarão a crescente ameaça dos fabricantes de automóveis chineses. Tradicionalmente, a indústria doméstica sempre foi fraca, fragmentada e tecnologicamente primitiva. Cerca de 90% dos automóveis vendidos na China são de marcas estrangeiras. Mas há muito tempo o governo chinês quer criar campeões globais no setor. Uma grande montadora, a Shanghai Automotive (SAIC), que possui joint-ventures com a VW e a GM e pretende investir este ano US$ 1 bilhão nos mercados internacionais com a listagem de suas ações, está ocupada comprando tecnologia estrangeira - mais recentemente da falida MG-Rover do Reino Unido. Empresas não amarradas por parcerias com grupos estrangeiros são ainda mais agressivas. A Chery (parcialmente controlada pela SAIC) e a Geely estão sendo acusadas de copiarem descaradamente tecnologias estrangeiras para a fabricação de automóveis. A GM afirma que o pequeno modelo popular QQ da Chery é uma cópia direta de seu Chevrolet Spark. Tanto a GM como a Toyota tentaram, mas não conseguiram, obter na Justiça chinesa proteção à propriedade intelectual. As companhias chinesas estão colocando em um beco sem saída o crucial mercado de carros pequenos e baratos, que hoje atraem compradores da classe média que não podem mais fazer grandes financiamentos para comprar um automóvel maior. Elas estão passando uma rasteira nas estrangeiras usando uma mão-de-obra mais barata em relação ao capital. A unidade de produção da GM em Xangai está cheia de robôs. Na fábrica da Geely, localizada a 40 minutos ao sul de Xangai, os visitantes são lançados de volta ao passado ao observarem operários soldando partes de carros com as mãos. "Nós precisamos fazer automóveis do mesmo jeito que as pessoas de Wenzhou fazem isqueiros", diz Li Shufu, presidente da Geely, revelando até onde vai sua ambição: a cidade de Wenzhou fabrica um quarto dos isqueiros produzidos no mundo. Embora existam obstáculos técnicos e de qualidade a serem superados, as fabricantes chinesas planejam um grande aumento de capacidade e querem vender carros no mercado internacional. A Chery, que já vende oito mil veículos por ano fora da China, pretende entrar nos Estados Unidos em 2007 e está de olho na Europa. Em 15 de abril, a Brilliance (sócia da BMW na China) anunciou que pretende iniciar a fabricação de seus sedans Zhonghua ("Nação Chinesa") no Egito este ano. Somada às demais notícias ruins para as montadoras estrangeiras, essa possibilidade deve ter murchado alguns pneus na feira de Shanghai deste ano.