Título: Inconstitucionalidade e o parecer jurídico da Fazenda Nacional
Autor: Marcelo Fróes
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2004, Legislação & Tributos, p. E-2

Foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 23 de agosto deste ano a aprovação, via despacho exarado pelo Ministro da Fazenda, do Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (Parecer PGFN) nº 1.087, de 19 de Julho de 2.004. Tal parecer da PGNF consagrou o entendimento de que existe a possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de Contribuintes (CC's) do Ministério da Fazenda (MF) - que lesarem o patrimônio público - serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário (via exercício, pela PGFN, do direito subjetivo público de ação) no que se refere à legalidade, juridicidade ou erro de fato de tais decisões provenientes do CC's'. Neste sentido requer o Ministro da Fazenda que o despacho em questão seja reconhecido pelo sistema jurídico pátrio como pertencente à expressão "legislação tributária", nos exatos termos do que dispõem o caput do artigo 96 c/c inciso I do artigo 100 do Código Tributário Nacional (CTN). Em apertada síntese tal parecer consubstancia a seguinte linha de raciocínio, qual seja: 1º - o princípio constitucional consagrado no Inciso XXXV do artigo 5º da Magna Carta (também denominado como monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário) impede a vedação do acesso ao Poder Judiciário por qualquer sujeito de direito; 2º -- tal acesso irrestrito ao Poder Judiciário é aplicável também quando o sujeito de direito em questão for a própria Fazenda Nacional (representada pela 'PGFN' tal como dispõe o art. 7º do Anexo I do Decreto nº 1.745/95) e 3º mesmo na hipótese de uma decisão final irrecorrível na esfera administrativa desfavorável à Fazenda Pública, é juridicamente possível o acesso ao Poder Judiciário (em razão do já citado 'princípio constitucional) através da PGFN; sendo portanto colimado pelo vício da inconstitucionalidade o disposto no artigo 45 do Decreto nº 70.235/72. No entanto, a adoção da conclusão supra implica afronta ao princípio constitucional do reconhecimento do processo administrativo, princípio este expressamente consagrado no inciso LV do artigo 5º ("aos litigantes, em processo ... administrativo, ... são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes") e no inciso XXII do artigo 37 da CF/88 ("as administrações tributárias da União ... atividades essenciais ao funcionamento do Estado ...").

A adoção dessa prática implica afronta ao princípio constitucional do reconhecimento do processo administrativo

A aparente antinomia entre o princípio do monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário (a pretensamente amparar a conclusão reconhecida no Parecer nº 1.087/04) e o princípio do reconhecimento do processo administrativo (a embasar a pretensão dos contribuintes contra a possibilidade da PGFN de instaurar uma relação jurídica processual em face de uma pretérita decisão irrecorrível proferida na esfera administrativa desfavorável à Fazenda) é solucionada pelo próprio sistema jurídico pátrio. Fixada a premissa de que tanto a PGFN quanto a Secretaria da Receita Federal são órgãos específicos singulares integrantes do MF (tal qual prescrevem as alíneas 'a' e 'b' do Inc. II do art. 2º do Anexo I do Decreto nº 1.745/95), bem como que todas as instâncias administrativas estão sob o crivo e controle direto do próprio MF (1ª instância administrativa - Inc. IV do art. 8 do Anexo I do Decreto nº 1.745/95; 2ª instância administrativa - 1º, 2º e 3º 'CC's' - alínea 'g' do Inc. III do art. 2º e artigo 24 do Anexo I do Decreto nº 1.745/95 c/c o Regimento Interno dos CC's' constante na Portaria MF nº 55/98; 3ª instância administrativa - Câmara Superior de Recursos Fiscais - CSRF - alínea 'e' do Inc. III do art. 2º e art. 22 do Anexo I do Decreto nº 1.745/95 c/c o Regimento Interno da CSRF constante na Portaria MF nº 55/98); é de rigor a conclusão de que as decisões proferidas no âmbito do processo administrativo fiscal favoráveis aos contribuintes constituem-se, em última análise, no expresso reconhecimento (pela própria Administração Pública, em sua função judicante) de pretérita ilegalidade perpetrada pela própria Administração Pública (em sua função fiscalizadora - vide art. 142 do CTN). A ausência de interesse da Administração Pública em recorrer ao Poder Judiciário (via 'PGFN') quando da constatação do expresso reconhecimento (pela Administração Pública - função judicante) de pretérita ilegalidade cometida pela própria Administração Pública ('função fiscalizadora') está consignada em duas regras jurídicas, quais sejam: 1ª regra jurídica - construída a partir da análise conjunta do Inc. I do art. 267 c/c o Inc. III do art. 295 - ambos do CPC (a PGFN carece de interesse processual) e 2ª regra jurídica - construída a partir da análise conjunta do art. 3º c/c o Inc. II do art. 295 - ambos do CPC (a PGFN é parte manifestadamente ilegítima).