Título: Nobel de Economia esquenta debate econômico no Brasil
Autor: Mônica Izaguirre e Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2004, Internacional, p. A-7

O Nobel de Economia deste ano foi dado a dois economistas que tiveram grande influência sobre questões que estão no centro do debate no Brasil, como a independência do Banco Central, a adoção de metas de inflação e a credibilidade da política econômica. Os premiados, anunciados anteontem, foram o americano Edward Prescott, 63, que leciona na Universidade Estadual do Arizona, e o norueguês Finn Kydland, 60, professor na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh. Juntos eles publicaram dois dos estudos mais influentes em economia das últimas décadas: "Rules rather than Discretion: the Inconsistency of Optimal Plans" (1977, no "Journal of Political Economy") e "Time to Built and Aggregate Fluctuations" (1982, na "Econometrica"). O primeiro trabalho trata da inconsistência temporal das políticas de governo, que promete tomar certas decisões mas depois não as cumpre, o que tem um custo no futuro. Nessa perspectiva, o governo não pode dar colher de chá, pois se a sociedade criar expectativa de que haverá uma colher de chá, ela já desconta isso. Assim, se o empresário achar que o governo deixará a inflação subir, ele elevará seus preços por conta. Esse estudo e trabalhos derivados influenciaram a atuação de BCs de todo o mundo e indicaram que países com BCs independentes tendem a ser mais prósperos. "Sem a autonomia, a política monetária de curto prazo tende a sofrer ingerências político-eleitorais e a ser inconsistente com objetivos de longo prazo, como estabilização e crescimento sustentado", disse ao Valor o ex-diretor de Política Econômica do BC brasileiro, Ilan Goldfajn, comentando o Nobel. Já BCs autônomos, com mandato para seus diretores, podem calibrar a taxa de juros sem se submeter a interesses eleitorais, disse. "Prescott costuma dizer que, para o BC ou outras instituições serem críveis, têm de amarrar suas mãos", afirmou Aloísio Pessoa de Araújo, vice-diretor da EPGE da FGV no Rio e professor do Impa. "Assim, as instituições ficam imunes às inconsistências do governo", que tende a pensar no curto prazo. Inconsistências, que ocorrem quando o poder é discricionário e não submetido a regras rígidas, levam à má alocação de recursos. Esse conceito está por trás da criação de regras como o limite de gastos com funcionalismo e a lei de responsabilidade fiscal, que limitam o poder discricionário do governo. "As regras são mais importantes e, ainda que duras, devem ser seguidas", diz Araújo. Uma das camisas-de-força derivadas do trabalho de Prescott e Kydland são as metas de inflação, hoje adotadas por vários BCs. Já estudo de 1982 procura explicar as oscilações nos ciclos econômicos (recessões e expansões) por meio de choques de oferta, e não de demanda, como no modelo keynesiano tradicional, e pela interação complexa entre as decisões racionais de vários agentes. E esses choques de oferta podem ser favoráveis (como ganhos de produtividade causados por inovações tecnológicas) ou desfavoráveis (como choques do petróleo ). "Hoje muitos economistas acabam adotando um modelo híbrido, com choques de oferta e demanda", afirma Araújo. "O trabalho de Kydland e Prescott influenciou todo mundo. Não há hoje banco central que não se preocupe em distinguir, entre os choques econômicos, aqueles que são de oferta e aqueles que são de demanda", disse Goldfajn. "Eles foram os primeiros a mostrar que os ciclos econômicos e o comportamento da inflação são fortemente influenciados também por mudanças de condições do lado da oferta", como alterações em preços de commodities e aumentos ou quedas de produtividade. O trabalho foi fundamental para a condução da política monetária em vários países, diz Ilan, pois apontou aos BCs um modelo que permite calibrar melhor a taxa de juros, conforme o tipo de choque sofrido pela economia. A diferenciação é importante porque, no caso de um aumento de inflação causado por choque negativo de oferta, a elevação de juros é menos eficaz, diz Ilan. Tanto que, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o BC brasileiro tem optado por combater, via política monetária, apenas os efeitos secundários dos choques de oferta. Em outras palavras, admite aumentos de preço provocados diretamente pelo choque, evitando apenas que eles se disseminem pela economia. Conceitualmente, esses trabalhos se opuseram "a um mundo totalmente keynesiano, dando ênfase à racionalidade econômica, à microeconomia", afirmou Araújo. Eles se inserem na corrente econômica conhecida como neoclássica.