Título: Lula tem uma certa razão sobre concorrência bancária
Autor: Mara Luquet
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, EU &, p. D2

Os bancos têm prazo até 1 de junho para mudar a inscrição "cliente desde", que vem estampada nas folhas de cheque, para "cliente bancário desde". Ou seja, em vez de mostrar ao comércio que você é cliente de um determinado banco, a inscrição registrará que você é cliente do sistema financeiro. Assim, se você trocar de banco, a data não muda. Esta medida e o cadastro positivo (banco de dados com informações sobre comportamento das empresas e consumidores, nível de endividamento, pontualidade de pagamento, etc) são apontados por muitos banqueiros como ferramentas de extrema importância para estimular a concorrência entre os bancos. Isso porque, na prática, elas ajudam a perpetuar o relacionamento do cliente com o sistema financeiro como um todo e não exclusivamente com determinado banco. Assim, toda vez que o cliente se sentir insatisfeito com determinado banco poderá trocar sem ter de assumir o ônus de partir do zero no novo relacionamento. O debate sobre a concorrência bancária aumentou de tom após declaração do presidente Lula, que culpou a preguiça dos brasileiros pelas altas taxas de juros. Você pode ter ficado chateado com as palavras do presidente, mas o fato é que ele tem alguma razão. A taxa básica de juros é alta no Brasil por uma decisão de política monetária. No entanto o "spread" (diferença entre a taxa básica e a que o tomador final paga) também é alto no país para muitos clientes e esta não é uma decisão de governo. Veja que nem todos pagam o mesmo "spread". Grandes multinacionais, por exemplo, conseguem pagar "spreads" mais baixos no Brasil que em seus próprios países de origem. E por que isso ocorre? "Porque se não for assim, não fecho negócio", diz um banqueiro que concorda com as declarações de Lula. Com relação ao "spread" praticado pelos bancos, a concorrência pode ter um impacto, sim, mesmo quando se trata dos clientes de varejo. É claro que o poder de fogo de grandes corporações é muito maior do que o seu numa mesa de negociação. No entanto, se acomodar não vai lhe ajudar em nada. O custo do comodismo do cliente bancário brasileiro pode ser observado em outros produtos e não apenas nos crédito. Veja as aplicações em fundos de investimento, por exemplo. Um estudo do economista Marcelo D´Agosto, sócio do site Fortuna, mostra que no ano passado os bancos embolsaram R$ 2 bilhões em taxa de administração em fundos DI distribuídos no varejo. Já os grandes clientes pagaram R$ 500 milhões pelo mesmo serviço em 2004. Isso porque, na rede varejista, os fundos têm taxas de administração de 4,15%, em média. Para os grandes clientes, a taxa cai para 0,70%, em média. É natural que grandes clientes, com volume expressivo de recursos, paguem taxa menor, mas a diferença entre as duas taxas é muito alta. Mas hoje mesmo clientes com aplicação inicial baixa já conseguem aplicar em fundos mais baratos via corretoras "online", que distribuem carteiras de diversos gestores. Mas dá trabalho. A começar por escolher a corretora, checar seu histórico, abrir um novo cadastro e fazer a primeira aplicação. Lembre-se de que, quando um banco compra outro, ele não está de olho nos imóveis ou nos quadros que enfeitam as agências. Ele paga principalmente pela carteira de clientes. Ou seja, cliente é um ativo importante para o banco e ele não querer abrir mão dele para a concorrência. Você tem dúvidas? Experimente dizer para o seu gerente que vai encerrar sua conta porque as tarifas estão altas. O cliente de um grande banco nacional que tomou essa atitude no início do mês conseguiu não apenas baixar as tarifas que estava pagando como também quinze dias de cheque especial sem juros. Segundo estudo do Banco Central, na composição do "spread" bancário, os maiores pesos são: custos administrativos (26,37%); cunha tributária (20,81%); inadimplência (19,98%); e resíduo (27,56%). Resíduo é o ganho do banco e é nesta faixa que a concorrência pode estimular uma redução. Ao comparar os dados mais recentes do BC com os de 2000, todos esses itens tiveram um pequeno recuo, apenas o resíduo aumentou no período. A concorrência é a arma para diminuir esse resíduo. Enfim, sua atuação não tem o poder de derrubar as taxas básicas de juro da economia. No entanto você tem em suas mãos o poder de diminuir o custo de seu relacionamento com o banco. E se hoje parece que trocar uma taxa de 8% para 7,5% não faz diferença, pense que esta atitude pode deflagrar um circulo virtuoso e fazer com que os "spreads" fiquem bem mais razoáveis. Seu banqueiro não vai querer perder sua conta e, provavelmente, vai lhe dar uma taxa menor que a concorrência. Esta, por sua vez, pode acenar com uma taxa ainda mais baixa. Mas o efeito dessa concorrência só poderá ser testado quando ela de fato começar.