Título: A responsabilidade do gestor dos fundos
Autor: Ana Carolina de O. Silva Moreira Lima
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Os fundos de investimento são voltados para pessoas que desejam investir seus recursos financeiros buscando diversificar os riscos. A administração de fundos é normalmente desenvolvida por instituições financeiras, embora possa ser exercida também por outras entidades autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Hoje os bancos prestam uma gama de serviços que podem ser separados em dois grupos: (1) os serviços de conta-corrente, empréstimos, cobrança de títulos, recebimento de contas, serviços de banco 24 horas, venda de seguros; e (2) os serviços de investimento. A distinção entre esses dois grupos é muito relevante, especialmente no tocante às normas que regulam a responsabilidade do prestador de serviço. Os serviços compreendidos no primeiro grupo são os serviços bancários, financeiros, creditícios e securitários, que estão previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, portanto, estão sujeitos às suas normas. Por outro lado, os serviços do segundo grupo são aqueles relacionados com aplicação e poupança e não estão sujeitos ao CDC. Diversas são as razões para os serviços relacionados com investimentos não estarem abrangidos pelo CDC. O código visa a proteger o consumidor nas relações de consumo, e o consumo está relacionado com a idéia de gastar, utilizar, fruir. O cliente de serviço de caderneta de poupança e de administração de fundos deseja investir seus recursos para obter um rendimento. Logo, por definição, quem está poupando e investindo não está gastando. Assim, o cliente é um investidor e não um consumidor e, por isso, a atividade de administração de fundos não está sujeita às regras do CDC, mas do Código Civil. Em matéria de responsabilidade, o Código Civil de 2002 manteve a diferenciação que já existia no código anterior entre a responsabilidade contratual, na qual o dever de indenizar resulta de um acordo entre as partes, e a extracontratual em que a obrigação de indenizar decorre de lesão a um direito protegido por lei. O novo Código Civil manteve outra distinção bastante importante: a da responsabilidade civil subjetiva e objetiva. A primeira constitui a regra geral e tem como pressuposto para determinar o dever de indenizar, se houve culpa "lato sensu" de quem causou o dano, que compreende o dolo, e a culpa "stricto sensu", caracterizada pela negligência, imprudência ou imperícia. O conceito de responsabilidade objetiva, por sua vez, dispensa o elemento de culpa, sendo necessária somente a existência de dano e a relação de causalidade entre o ato e o dano causado. A responsabilidade objetiva representa exceção à regra geral da responsabilidade subjetiva e somente será aplicada em casos expressamente previstos em lei. Na atividade de administração de recursos pode haver responsabilidade do administrador na modalidade contratual e extracontratual. A responsabilidade será contratual quando decorrente de descumprimento do regulamento do fundo, e extracontratual se houver falha no cumprimento de leis e normas aplicáveis.

Os riscos das aplicações não são decorrentes da natureza da atividade do administrador de fundos, mas da opção do cliente

Contudo, a responsabilidade do administrador de recursos será sempre subjetiva. Isso porque, como exceção à regra geral, a responsabilidade objetiva somente pode ser aplicável em decorrência de lei, o que não é o caso. O novo Código Civil inovou em matéria de responsabilidade civil ao prever, no artigo 927, parágrafo único, hipótese de responsabilidade objetiva quando, pela natureza de sua atividade, uma pessoa cria um risco para o direito alheio. No entanto, não se pode entender que tal dispositivo seja aplicável aos fundos. Os riscos das aplicações no mercado financeiro não são decorrentes da natureza da atividade do administrador de fundos, mas da opção do cliente de investir seus recursos. A obrigação assumida pelo administrador não é de garantir resultados positivos ao investidor. Pelo contrário, de acordo com as normas da CVM, é vedado ao administrador prometer rendimentos predeterminados ao cotista. O investidor não está contratando resultados positivos, mas uma administração técnica profissional, dentro dos parâmetros de risco e de diversificação previstos no regulamento do fundo. A recém editada Instrução CVM nº 409, de 18 de agosto de 2004, alterada pelas Instruções CVM nº 411 e 413, que dispõe sobre os fundos, veio reforçar o entendimento de que os riscos das aplicações financeiras são de responsabilidade do investidor e não do administrador do fundo. O artigo 13 da referida instrução dispõe expressamente que os cotistas responderão por eventual patrimônio líquido negativo do fundo e deixou claro, ainda, que o administrador é responsável pela inobservância da política de investimento, dos limites de concentração previstos em regulamento (responsabilidade contratual) e das normas aplicáveis (responsabilidade extracontratual). Nunca pela eventual desvalorização do investimento causado por fatos inerentes ao mercado financeiro. Em resumo, a relação do investidor com o administrador de fundos não é uma relação de consumo e, por isso, não está sujeita ao CDC. No entanto, o investidor tem à sua disposição as normas tutelares do Código Civil, pelo qual o administrador deverá cumprir as regras previstas no regulamento do fundo e as obrigações legais, sob a pena de se agir com culpa ser obrigado a indenizar eventuais danos causados aos cotistas.