Título: Novo Ritmo
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F1

O grande desafio que se coloca para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a 20 meses do fim do primeiro mandato, é conseguir instigar o setor privado a aumentar seus investimentos e, com isso, elevar a oferta de bens e serviços da economia. Essa é a forma saudável de compatibilizar o crescimento com inflação baixa, desatando o nó criado pelas pressões permanentes de reajustes de preços a cada vez que aumenta a demanda. O que acaba exigindo juros reais estratosféricos para acomodar o consumo ao tamanho da oferta disponível. Em 2004, o Brasil cresceu 5,2%. Esse desempenho foi acompanhado por uma inflação de 7,6% ao consumidor (medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado-IPCA) e por uma importante recuperação na taxa de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), de 10,9%, que reflete o aumento do investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil. Tal aumento, porém, embute uma forte desaceleração da taxa no último trimestre, que foi antecedido pelo início do aperto monetário. O início de 2005 não mostrou uma reversão favorável ao investimento. Os juros, que começaram a subir em setembro de 2004, de forma contínua, hoje estão em 19,5% ao ano (taxa Selic) e são baixíssimas as chances de uma queda ainda neste primeiro semestre. A inflação, por seu turno, mostra resistência, fomentando uma polêmica sobre a consistência do "mix" da política macroeconômica e sobre o peso da inércia inflacionária, formada sobretudo pela indexação dos preços administrados. Há quem ache que o esforço fiscal deveria ser, neste ano, maior do que a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Seria a maneira de o governo como um todo auxiliar o Banco Central na busca do cumprimento da meta de inflação de 5,1%, tarefa que a instituição vem perseguindo, ao mesmo tempo em que o governo fomenta a expansão do crédito. Juros elevados dificultam a obtenção do principal objetivo do governo, que é reduzir a relação dívida líquida do setor público/ PIB - indicador da solvência do país - para aquém dos 50% este ano. A dívida, que no auge da campanha eleitoral de 2002 bateu na casa dos 57% do PIB, encerrou 2004 em 51,3% do PIB. Houve melhora importante no perfil da dívida, com a queda, de 29,5% para apenas 5%, da parcela indexada ao câmbio, entre 2001 e 2004. A maior parte do débito, porém, tem juros pós-fixados e os aumentos na taxa Selic de meados do ano passado para cá colocam em risco a trajetória de queda este ano. Não bastará ao governo, porém, ser bem sucedido na tarefa de induzir os empresários a aumentar a produção das suas fábricas. Será preciso avançar, também, no processo de investimentos na ampliação da infra-estrutura, para que o crescimento não esbarre em gargalos intransponíveis no curto prazo. A expansão do setor elétrico brasileiro requer investimentos de US$ 5,5 bilhões por ano para afastar o fantasma de novos racionamentos, apontam estimativas de empresários. Negado pelo governo e visto por especialistas como uma possibilidade concreta de abortar o crescimento sustentado, o risco de desabastecimento energético aumenta paulatinamente, à medida que empreendedores não conseguem tirar seus projetos da gaveta. Na área de transportes, a demanda por investimentos é da mesma ordem. O país precisa investir R$ 6 bilhões todos os anos, até 2009, para recuperar a sua infra-estrutura de transportes e não repetir, na área logística, o apagão que minou o último surto de crescimento econômico no país, segundo informação do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Segundo o ministro, esses dados constam de um trabalho elaborado por consultores do Banco Mundial (Bird) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em estudo ainda inédito, apresentado reservadamente a ele no mês passado. Do lado externo, a economia brasileira surpreende dia a dia os analistas e, não raro, o próprio governo. O saldo da balança comercial bate recorde após recorde, devido ao resultado exuberante das exportações, enquanto a demanda doméstica dá sinais de desaceleração mais forte, tendência que corre o risco de se acentuar em decorrência dos juros elevados. A grande dúvida hoje é saber se o desempenho do setor externo vai ser suficiente para compensar o ritmo mais fraco da atividade econômica interna e garantir um crescimento de 3,5% a 4% do PIB - os mais cautelosos já projetam expansão de apenas 3%. O ajuste das contas externas se mostrou mais sólido do que os mais otimistas esperavam, deixando a economia brasileira menos vulnerável a crises internacionais, mas não totalmente. Apesar da apreciação da taxa de câmbio, o superávit em contas correntes do balanço de pagamentos em 12 meses, até março, atingiu 2,05% do PIB, acumulando US$ 12,713 bilhões, cifra recorde na história do país. Olhando os dados de 1998 para cá, o progresso é brutal. Hoje a economia brasileira é mais aberta e, portanto, menos sujeita às intempéries externas. A corrente de comércio (soma de importações e exportações) representa 27% do PIB, ante 22% em 2001. Mas ainda é uma economia menos aberta do que outros países emergentes. A evolução de praticamente todos os indicadores de solvência externa está ligada ao ajuste no comércio exterior. É o caso, por exemplo, das reservas internacionais, que subiram porque o BC e o Tesouro compraram dólares despejados no mercado de câmbio pelos exportadores. Pelo conceito de reservas líquidas, chegaram a US$ 35,515 bilhões em março passado, evolução notável em relação aos US$ 28,837 bilhões observados em dezembro de 2001. Isto significa que, hoje, o BC tem mais dólares para suprir o mercado no caso de uma queda no financiamento externo ao país. Um quadro bem mais confortável, mas ainda assim aquém de outros emergentes, como por exemplo, a Tailândia, que, com um PIB que equivale a cerca de um quarto do brasileiro, tinha US$ 41 bilhões de reservas em dezembro de 2004. O agronegócio, setor que tem sustentado a exuberância do comércio externo, deve, segundo avaliação do governo, exportar este ano entre 5% e 10% a mais do que no ano passado, mesmo diante do cenário de contenção na maior parte das lavouras de grãos, afetadas pelo clima nos Estados do Sul, além de regiões de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo. Situação que se soma à valorização cambial e elevação de até 30% nos custos de produção. As dívidas deixadas pela nova situação no campo, porém, podem provocar redução da área plantada, queda na produtividade média e uma baixa rentabilidade das lavouras na safra 2005/2006 - que começa em julho e vai até junho de 2006. Se na área de comércio, as contas andam bem, na política comercial internacional a situação é mais delicada. Ultrapassada a data inicial para começo do funcionamento da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a um ano do limite para execução do projeto que previa a correção de falhas do Mercosul, o governo tem poucas novidades a apresentar em 2005 nesses dois campos. A paralisação das negociações da Alca e as dificuldades com os sócios do Mercosul fazem acreditar que qualquer avanço significativo nas duas negociações ficará para 2006, ou, na melhor das hipóteses, para o fim deste ano. Na política interna, os olhos do governo e do Congresso estão voltados para a campanha presidencial de 2006 e, diante disso, a tendência é que votações importantes sejam postergadas. Os projetos considerados prioritários já foram aprovados nos dois primeiros anos de governo: Lei de Falências, Parcerias Público-Privadas, as primeiras fases das reformas da Previdência e tributária, o marco regulatório do setor elétrico, e a lei nacional de biossegurança. Agora, nem o Executivo e nem os parlamentares enxergam algo tão prioritário na pauta, e a reeleição do presidente Lula provoca reações políticas de aliados e da oposição que têm como conseqüência, muitas vezes, a estagnação nos plenários.