Título: Gillette é sua maior rival no mercado de lâminas de barbear
Autor: Christiane Martinez
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2004, Empresas, p. B-3
Modelo criado no século 19 tem 23% do mercado e sobrevive à inovação tecnológica do Mach 3
A Gillette levou 17 anos e gastou US$ 750 milhões para colocar no mercado o seu sucesso mundial em tecnologia, o Mach3. Apenas na campanha global de marketing foram despejados US$ 187 milhões para divulgar um produto que tem 13 centímetros, 27 partes e 36 patentes distintas. Mas, tanto aqui como lá fora, os descartáveis, como o conhecido Prestobarba, ainda reinam absolutos, abocanham 66% do mercado e vem crescendo ano a ano. Mais que isso: no Brasil, os aparelhos antigos - a exemplo daquele em que se parafusa a lâmina, como o modelo criado em 1895 pela Gillette e que substituiu a navalha - ainda tem 23% do mercado nacional de lâminas. Em contrapartida, o segmento de aparelhos supermodernos ainda não decolou no Brasil. Tinha 12,2% no acumulado de setembro de 2001 a agosto de 2002. E caiu para 10,2% no acumulado de setembro de 2003 a agosto de 2004, segundo os dados do instituto Nielsen. Então qual a importância de se investir tanto em tecnologia? "O maior desafio da Gillette é fazer com que os consumidores migrem para os produtos de maior valor", diz Eduardo Kello, presidente da Gillette no Brasil. Produtos mais elaborados vendem menos, mas têm margem maior. Na prática, a multinacional americana estimula a "canibalização" de seus produtos - apesar de não gostar muito da palavra. "Diria que há 'upgrade' de produtos." O executivo argentino que está há quase 20 anos na Gillette reconhece que o preço dos produtos mais elaborados, como o Mach3 ou SensorExcel, nem sempre favorecem a troca por parte do cliente. "É uma questão de renda", diz. "Não que o produto seja caro, afinal a Gillette investe US$ 758 milhões para o consumidor poder comprar um produto de R$ 10." O Mach3, que ainda é importado, custava R$ 10,00 no lançamento no Brasil em 2000. Hoje custa R$ 19,64 no Pão de Açúcar. O Prestobarba sai R$ 4,19, menos que o refil do Mach3 que custa R$ 10,73, com duas unidades. O avanço da Gillette nos aparelhos mais sofisticados depende do humor da economia brasileira. Mas Kello, um otimista em relação Brasil, acredita que esses produtos têm espaço para crescer no país já a partir desse ano. "O Brasil é um mercado de um bilhão de lâminas por ano e está entre os três principais países consumidores, ao lado da China e dos Estados Unidos", diz. Aqui, 50 milhões de pessoas consomem lâminas. Foto: Rogério Pallatta/Valor
Eduardo Kello, presidente da Gillette: O maior desafio é fazer os consumidores migrarem para os produtos de maior valor Nos Estados Unidos, o mercado de descartáveis também é grande, mas vem perdendo espaço para o de sistemas. Aparelhos como o Mach3 têm 40% do mercado. Em outros países da América Latina, também se nota esse crescimento. Ainda que nem sempre consiga ganhar mercado com rapidez, a Gillette tem obsessão por inovar. A teima voraz pelo ineditismo talvez esteja amparada num quesito que poucas empresas podem contar: a multinacional que virou sinônimo mundial de lâmina de barbear é uma empresa que compete consigo mesma. Aqui, é dona de 80% de um mercado que movimenta US$ 350 milhões e cresce a cada ano. No segmento de lâminas, ela é dona de 66,1% do mercado de descartáveis. Apesar da liderança, esse é o mercado onde ela tem mais concorrentes. Compete com a multinacional francesa Bic, dona 24,1%, com a Persona (da American Safety Razor), 1,6%, e com Schick, que tem 1,8%. A Schick pertencia ao laboratório Pfizer, mas foi vendido mundialmente há um ano para a Energizer, a das pilhas. Em aparelhos duplo fio - aqueles em que as lâminas são parafusadas - a Gillette tem 65%. A segunda colocada, com 8,4%, é a Swedish Match, a mesma empresa que faz os fósforos Fiat Lux e os isqueiros Cricket. No mercado de sistema, sua grande aposta, a Gillette é líder absoluta: morde 98%. Os 2% restantes são de outras marcas. O Carrefour, por exemplo, tem o seu aparelho de sistema com três lâminas, feito pela Persona. Mas uma gigante com 64 fábricas e vendas de US$ 9,25 bilhões em 2003 não fica à mercê apenas dos produtos que garantem margens generosas. Este ano, a Oral B, sua divisão de negócios de higiene bucal, lançou uma linha de escova de dentes popular, a Classic. "Agora, temos escovas de R$ 3 a R$ 10." A entrada no segmento de médio-baixo preço, no qual não atuava até então, explica-se: a venda de escovas populares cresceu 43% nos últimos dois anos. O mercado total de escovas expandiu 8%. Apesar de deter 32% do mercado de escovas com a Oral-B e competir no setor de pilhas com uma marca forte, a Duracell, a Gillette ainda tem como principal negócio as lâminas. Das vendas globais de US$ 9,25 bilhões no ano passado, as lâminas representam US$ 3,87 bilhões. Não há informações sobre o Brasil. A empresa só divulga números mundiais e por mercados - a América Latina responde por 12% dos negócios. A sede da operação brasileira fica em São Paulo desde 1998. Antes o Q.G. ficava no Rio - local "bom para dar uma corrida na praia e passear, mas nas férias", segundo Kello. Lá, foi origem da Gillette no Brasil, em 1926. Hoje, resta um escritório comercial. A empresa concentra sua produção numa ampla unidade industrial em Manaus -"que tem uma mão-de-obra qualificadíssima", segundo Kello. De lá saem os produtos Gillette que chegam a mais de 700 mil pontos-de-venda, sendo 60% atendidos por meio de distribuidores. São embarcados também para outros 19 países - da Europa à Nova Zelândia. A exceção fica para o elaborado Mach3, feito apenas nos Estados Unidos e na Alemanha. Há possibilidade de vir a ser produzido no Brasil? "Ainda não sabemos, mas por enquanto não." Apesar de independente, a subsidiária brasileira segue a estratégia global da Gillette definida pelo comando sediado em Boston, nos Estados Unidos. Mas são feitas adaptações para o gosto e bolso do brasileiro. "As embalagens aqui são individuais, enquanto em outros países vende-se em cartelas." O aparelho Sensor, que era o exemplo de modernidade antes do Mach3, ganhou no país a versão azul. Mas Kello jura que o gosto do brasileiro pela cor não tem qualquer associação com o conhecido azul do Prestobarba. "Somos assim, inovadores. E se ainda existir em qualquer lugar do planeta um jeito melhor de se barbear, tenha certeza que nós o faremos", diz ele.