Título: "LDO é o nosso seguro para 2006", diz Levy
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F2

O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, diz que o grande "seguro" que o governo Lula prepara para enfrentar eventuais turbulências eleitorais na campanha de 2006 está na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). "Se ela for aprovada pelo Congresso, será o melhor seguro contra turbulências eleitorais que nós podemos ter", avalia. Lá estão a confirmação da meta de superávit primário de 4,25% do PIB para os próximos três anos e o compromisso de que o governo está olhando o lado da oferta também, ao limitar a carga tributária federal em 16% do PIB, diz. "Aí tem dois aspectos interessantes. O primeiro é o compromisso de que acabou a dinâmica que se viu até 2002, de aumento do gasto público com aumento da carga tributária. Isso acabou. E estamos botando isso no papel depois de mostrar por dois anos, e agora entrando no terceiro ano, que isso é factível". O teto da carga federal de impostos é dado pela marca de 2002, quando chegou a corresponder a 16,34% do PIB. Para este ano, a performance deverá ser de 16,1% do PIB ou um pouco abaixo. O limite da despesa também foi estabelecido na LDO e é de 17% do PIB. "Assim, a carga se estabiliza, a despesa se estabiliza e eventualmente cai, e a relação dívida / PIB cai. Esses são ingredientes que favorecem, de modo geral, o investimento e o crescimento", acredita Levy. O secretário não avaliza a impressão de que há uma "gastança" no governo e, portanto, não vê a evolução das despesas públicas como problema central da inflação. Também descarta, pelo menos no momento, a hipótese de o governo aumentar a meta de superávit fixada em 4,25% do PIB. "Aumentar para que? 4,25% do PIB é um superávit bastante razoável. O efeito para a dinâmica da dívida hoje é o efeito da taxa de juros real e do crescimento da economia. Temos que manter as coisas. A meta é 4,25% do PIB e vamos mantê-la. Vamos dar tranqüilidade, horizonte, e vai ter resultado", assegura Levy, sem disfarçar uma visão crítica em relação à gestão monetária. Valor: O câmbio está derretendo, a taxa de juros real está nas alturas e, ainda assim, a expectativa de inflação vem crescendo a cada semana. O que está acontecendo? Joaquim Levy: Eu não entendo muito de política monetária e me afianço na segurança com que o dr. Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) se pronuncia sobre o tema. As manifestações dele têm sido de tranqüilizar, de que a política está funcionando bem, como deve funcionar. Valor: Mas não há o risco de o "mix" da políticas macroeconômicas -- fiscal, monetária e cambial - estar errado? Não tem algum problema de dosagem aí? Levy: Não sei lhe dizer. Sobre a questão fiscal, do lado das despesas, não acredito que o que aconteceu até agora esteja no coração do problema da inflação. Mais uma vez, me afianço no dr. Henrique. Lembro que em setembro de 2004, num almoço que fui na associação dos bancos, em São Paulo, ele nos explicou - havíamos acabado de aumentar a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto para 4,5% do PIB e ele já estava começando a aumentar os juros - que o tempo dos efeitos da política fiscal é diferente do tempo dos efeitos da política monetária. Os da política fiscal sobre a inflação demoram mais. Talvez agora estejamos começando a sentir os efeitos do aperto fiscal que fizemos no ano passado. A situação fiscal se mantém mais ou menos estável. Tendo em vista o argumento do BC, de que o controle do gasto tem efeito de médio prazo na inflação, o aumento do superávit de 4,25% para 4,5% em setembro do ano passado deve estar ajudando agora. Então não pode ser agora que o gasto está atrapalhando. Valor: Mas não seria necessário um aperto fiscal adicional para ajudar a política de juros a trazer a inflação para o patamar da meta? Levy: Nesse primeiro quadrimestre do ano aumentamos a meta de forma significativa em relação ao ano passado. As pessoas não perceberam isso. Nossa meta de janeiro a abril é um superávit primário de R$ 27 bilhões, um aperto considerável tendo em vista que no mesmo período do ano passado, o superávit foi de R$ 19 bilhões. O executado deve ficar parecido, mas até como sinalização, houve esse aumento nesse começo de ano. Isso não muda a meta anual de 4,25% do PIB.

O crédito não é fluxo, é estoque. Tem que ver o que acontece com o resto quando acabar o fôlego do crédito"

Valor: O senhor acha que os efeitos do aumento do superávit no ano passado só estão começando a aparecer agora? Levy: Imagino que sim. Valor: Já há sinais claros de desaquecimento da economia? Levy: Definitivamente, não sei lhe dizer se há. A dinâmica da receita vem se mantendo dentro dos parâmetros, sem nada de excepcional. Então, por que a inflação está acima da meta ou por que as pessoas estão até revendo suas projeções, não sei. Não sou guardião da inflação. Valor: Há algum risco de desaceleração excessiva da economia? Já há economistas falando em crescimento abaixo de 3% este ano. O senhor acha isso possível? Levy: Acho difícil. Por enquanto, o BC aponta para 3,5%. Curioso é que as pessoas estão acordando para a questão do crédito pessoal. O crédito sobe, sobe, e depois acaba o fôlego. O crédito não é fluxo, é estoque. Tem que ver o que acontece com o resto quando acabar o fôlego do crédito. Em maio, com o aumento do salário mínimo, pode ser que se veja algum crescimento da demanda. Valor: O governo chegou a pensar em aumentar o esforço fiscal para este ano? Levy: Aumentar o superávit primário por quê e para que? E como? Quer que eu aumente os impostos ou reduza quais despesas? Para que? 4,25% do PIB é um superávit bastante razoável. O efeito para a dinâmica da dívida hoje é o efeito da taxa de juros real e do crescimento da economia. Temos que manter as coisas. A meta é 4,25% do PIB e vamos mantê-la. Vamos dar tranqüilidade, horizonte, e vai ter resultado. Produzir um superávit primário de 4,25% do PIB continua sendo um desafio porque nós estamos dando um passo além: vamos manter isso e, para criar as condições para o crescimento, vamos evitar que a carga tributária seja muito grande, que a despesa continue crescendo e acho isso mais importante do que ficar aumentando o superávit. Valor: Acaba de entrar em vigor o novo salário mínimo de R$ 300,00 e, com isso, serão feitos os reajustes dos benefícios da Previdência. É um problema adicional ao controle da inflação? Levy: Não deve ser problema, visto que esse tema não foi tratado até agora. Não vi nada referente a isso em atas do Copom, nem no relatório trimestral de inflação.

Evitar que a carga tributária seja muito grande é mais importante do que ficar aumentando o superávit"

Valor: Todo o foco da política macroeconômica é destinado a reduzir a relação dívida líquida do setor público/PIB. Qual é o grande desafio agora nessa área? Levy: Acho que estamos na trajetória certa e devemos continuar. Obviamente, se a inflação permitir o abrandamento das condições financeiras, essa trajetória de queda tende a se acelerar. Valor: Qual o seu cronograma para a queda? Levy: Para este ano, se conseguirmos baixar a relação dívida/PIB para 50% já será um bom avanço, será o terceiro ano consecutivo de queda. Sair de cerca de 57% do PIB para 50% do PIB não significa que o problema está resolvido, mas estamos no caminho. Valor: E para 2006? Levy: O superávit primário está dado. Então, a dinâmica da dívida hoje é função da taxa de juros real e da taxa de crescimento da economia, que a bem dizer não são variáveis que eu controle. Valor: E a fragilidade da composição da dívida, como notou a diretora do FMI, Teresa Ter-Minassian? Levy: Ainda há uma demanda significativa do investidor final pela taxa de juros de curto prazo. Mais da metade da dívida é emitida à taxa Selic. Para 2005, temos o programa de financiamento da dívida (o PAF - Plano Anual de Financiamento da Dívida Pública - prevê que os papéis prefixados deverão representar entre 20% e 30% da dívida. Os pós-fixados, com juros vinculados à taxa Selic, deverão situar na faixa entre 47% e 57% do débito). Para 2006, acho que poderíamos chegar com a dívida atrelada à Selic em menos de 50%, mas certamente isso depende do apetite dos investidores tendo em vista as taxas de juros administradas. Valor: Prazo curto e preferência por títulos pré-fixados não decorre também de falta de confiança do investidor? Levy: Não. Isso tem a ver com a remuneração relativa entre Selic e outras taxas. Dado o nível da taxa de retorno de curto prazo, teria que haver um prêmio significativo para poder emitir papéis pré-fixados de um prazo um pouquinho mais longo. Dada a sinalização de que ainda haveria um período em que as taxas de curto prazo se manterão próximas às atuais, a demanda por papéis atrelados às taxas flutuantes se mantém relativamente forte. Não vejo sinalização dos que gerenciam as taxas de curto prazo de uma reversão da subida recente, conquanto se diga que a projeção de inflação de 2006, mantidas as taxas de juros atuais, estaria abaixo da meta. Não transpira uma sensibilidade do que isso significaria sobre a possibilidade de queda da taxa de curto prazo.