Título: Para secretário, novas regras vão transformar o país
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F3

Há uma clara lista de prioridades da área econômica em tramitação no Congresso que, uma vez aprovadas, têm o potencial de transformar a economia, afirma em entrevista concedida ao Valor o secretário do Tesouro, Joaquim Levy. São elas: a autorização para que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) cuide da concorrência no setor bancário; as propostas para as agências reguladoras; as medidas para dar oxigênio para as pequenas empresas, as pré-empresas; e a proposta para criar ambiente fiscal para empresas menores, com incentivos para que elas cresçam. "Essas coisas, se aprovadas, são dinamite pura, mudam a cara da economia brasileira", adianta. Valor: Toda vez que se fala em corte de despesas se esbarra na rigidez orçamentária que torna impossível fazer política fiscal de boa qualidade. Este governo não vai atacar esse problema? Levy: De alguma forma, estamos atacando essa questão. O déficit da Previdência continua significativo, as despesas lá têm uma dinâmica importante, que vai bem acima da inflação por uma série de razões, inclusive por causa dos precatórios judiciais. Os gastos com a Previdência e as transferências referentes à Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) subiram mais de 20% no primeiro trimestre. O negócio da URV (decisões judiciais mandando reajustar aposentadorias) deu no que deu, todo mundo achou normal e está acontecendo o que dizíamos que iria acontecer, estamos pagando. Agora, esse trabalho de melhorar a governança da Previdência, iniciado há mais ou menos um mês, se tiver sucesso vai ser muito importante. Se for possível baixar o déficit para R$ 32 bilhões, como era a projeção inicial, vai ser muito relevante (a expectativa atual é de que o déficit chegue à casa dos R$ 40 bilhões). Se conseguirmos economizar uns R$ 5 bilhões a R$ 7 bilhões este ano, isso terá um efeito fiscal muito significativo. Isso é mais ou menos 0,3% do PIB. Se, em 2006, diminuir mais 0,2% do PIB, dá uma economia de 0,5% do PIB e isso já dá uma outra cara para a dinâmica da economia. Valor: Estamos a 17 meses da eleição presidencial. De alguma forma, o governo se prepara para eventuais turbulências eleitorais ? Levy: Acho que uma peça central, olhando para a frente, é a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Se ela for aprovada pelo Congresso, será o melhor seguro contra turbulências eleitorais que nós podemos ter. A LDO é o nosso seguro para 2006. Valor: Por quê? Levy: A LDO confirma a meta de superávit primário de 4,25% do PIB e firma o compromisso de que o governo está olhando o lado da oferta também. Aí tem dois aspectos interessantes. O primeiro é o compromisso de que acabou a dinâmica que se viu até 2002, de aumento do gasto público com aumento da carga tributária. Isso acabou. E estamos botando isso no papel depois de mostrar por dois anos, e agora entrando no terceiro ano, que isso é factível. A linha d'água foi a arrecadação administrada pela Receita Federal chegar a 16,34% do PIB em 2002. Em 2003, a carga federal caiu para 15,9% e, em 2004, foi para 16,2% do PIB, ainda menor que em 2002. Este ano, deve ficar em 16,1% ou um pouco abaixo. Então, primeiro, conseguimos mostrar que é possível segurar a carga tributária federal, construímos o orçamento de 2005 em volta disso e, dada a experiência, botamos no papel que nos próximos anos o objetivo é modificar isso. A carga se estabiliza, a despesa se estabiliza e eventualmente cai, e a relação dívida /PIB cai. Esses são ingredientes que favorecem, de modo geral, o investimento e o crescimento. E o interessante é que, ao discutir isso agora, as questões centrais para os próximos 18 meses estarão resolvidas. Estará definido, agora, como o governo está se preparando para o período eleitoral. Valor: O senhor disse que, na parte fiscal, o governo já teria o seguro da LDO para enfrentar eventuais turbulências eleitorais. Mas isso não basta, depende também dos juros e do câmbio. Levy: Se você tiver estabilidade e pré-sinalização na área fiscal, se confirmarmos com a LDO o que vai ser o mapa lá para frente, hoje o que segura a taxa de médio prazo é a de curto prazo. A taxa de juros é administrada e a taxa de câmbio, enquanto os investidores, inclusive de ativos financeiros, se motivarem a continuar mandando dinheiro para o Brasil, o câmbio não deve se alterar significativamente. Valor: Voltando à questão orçamentária, este governo pretende atacar as excessivas vinculações? Levy: Na semana passada o plenário do Senado aprovou, acho que em primeiro turno, lei que determina que creches são obrigações do Estado. Eis uma nova despesa permanente, mais uma responsabilidade do setor público. Valor: Ou seja, apesar de a sociedade deixar claro que não suporta mais elevação da carga de impostos, o movimento em algumas áreas do governo ainda é para continuar criando novas despesas? Levy: Há um sentimento em áreas do governo e na sociedade de que é preciso escolher prioridades. O que engessa o orçamento são os benefícios e não propriamente as despesas vinculadas. Estas, muitas vezes, trazem ineficiência. Valor: Se não há mais uma agenda de reformas constitucionais para este mandato, qual é a agenda legislativa do governo? Levy: Vamos ver o que está parado no Congresso. Há algumas coisas na área da concorrência, como a autorização para que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) cuide da concorrência no setor bancário; há as propostas para agências reguladoras; medidas para dar oxigênio para pequenas empresas, pré-empresas; e há a proposta para criar ambiente fiscal para empresas menores, com incentivos para que cresçam. Essas coisas, se aprovadas, são dinamite pura. Mudam a cara da economia brasileira. Valor: Por quê? Levy: O segredo é fazer o pessoal ter coragem de investir. Eu tenho dito que é preciso reduzir o risco geral da economia de maneira que, individualmente, cada pessoa queira tomar mais risco. Ou seja, aumentar a oferta, que é o grande dilema hoje. Por que a LDO é importante? Porque, se aprovada, vai garantir que não haverá aumento do gasto nem da carga tributária nos próximos 18 meses. Assim, ao invés de esperar até 2007 para ver o que vai fazer, o empresário pode se mexer agora. Essas garantias são dez vezes mais eficientes do que milhões de novos programas.