Título: Cenário fica menos vulnerável, mas não imune a novas crises
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F10

O ajuste das contas externas se mostrou mais sólido do que os mais otimistas esperavam, deixando a economia brasileira menos vulnerável a crises internacionais. Mas isso não significa que o país se tornou imune - dependendo da intensidade da próxima turbulência, será inevitável um novo ajuste externo. "Até a última crise externa, o Brasil estava no grupo dos países que mais sofriam, ao lado de países como Argentina, Venezuela e Equador", analisa o economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, Luís Fernando Lopes. "Agora, estamos ao lado de economias com fundamentos econômicos mais sólidos, como Chile e Coréia do Sul. Mas não deixaremos de sofrer com as próximas crises". O grau de vulnerabilidade do Brasil a um choque externo pode ser visto de duas maneiras. Uma delas é comparar o país com o seu próprio histórico de alguns anos atrás. Sob esse ponto de vista, há um progresso incontestável. Quando confrontado com países emergentes que obtiveram o grau de investimento, porém, a economia brasileira ainda se mostra bastante frágil. Um único indicador - o comércio exterior - é capaz de sintetizar a melhora na solvência externa do país em anos recentes. De 2001, véspera da crise das eleições presidenciais, até 2004, o país passou de um déficit em comércio exterior de US$ 2,651 bilhões para um superávit de US$ 33,670 bilhões. Ou seja: fez um ajuste externo de pouco mais de US$ 30 bilhões, o equivalente à restrição no financiamento internacional que o Brasil sofreu na crise de 2002. Graças a essa virada no comércio exterior, hoje a necessidade de financiamento externo do país é bem menor - caiu a cerca da metade em apenas três anos. Até 2001, o Brasil tinha que atrair capitais estrangeiros para bancar sua conta de serviços (incluindo juros, lucros e dividendos), que é cronicamente deficitária (naquele ano, o déficit em serviços e rendas foi de US$ 27,502 bilhões), e também para financiar as amortizações da dívida externa, que então somavam US$ 32,4 bilhões. Hoje, o comércio cobre plenamente os serviços, e ainda sobram dólares para bancar parte das amortizações da dívida externa, estimadas em US$ 29,9 bilhões para 2005, segundo o BC. Após o ajuste no comércio exterior, a economia brasileira se tornou mais aberta, e portanto, mais capaz de absorver choques externos. "Seria necessário um ajuste menor no crescimento do PIB para elevar o saldo comercial", afirma o economista Roberto Padovani, da Tendências Consultoria. Hoje, a corrente de comércio (soma de importações e exportações) representa 27% do PIB, ante 22% em 2001. A despeito de todos os progressos recentes, o país permanece atrás de outras economias nesse quesito. A corrente de comércio do México, por exemplo, foi de 57% do PIB em 2004, o que foi decisivo para que o país conquistasse o grau de investimento. A Coréia do Sul exibe um indicador ainda mais favorável, com uma corrente de comércio que representa 70% do PIB. A evolução de praticamente todos os indicadores de solvência externa está ligada ao ajuste no comércio exterior. É o caso, por exemplo, das reservas internacionais, que subiram porque o BC e o Tesouro compraram dólares despejados no mercado de câmbio pelos exportadores. Pelo conceito de reservas líquidas, chegaram a US$ 35,515 bilhões em março passado, evolução notável em relação aos US$ 28,837 bilhões observados em dezembro de 2001. Isto significa que, hoje, o BC tem mais dólares para suprir o mercado no caso de uma queda no financiamento externo ao país. Um indicador largamente citado é a relação entre as reservas e os pagamentos de juros da dívida externa, que passou de 0,7 para 1 entre 2001 e 2004. Ou seja: mesmo que cessasse todo o fluxo de dólares ao país, ainda assim seria possível pagar os juros da dívida previstos em um ano. O quadro melhorou, mas, novamente, não é dos melhores entre as economias emergentes. A Tailândia, por exemplo, com um PIB que equivale a cerca de um quarto do brasileiro, tinha US$ 41 bilhões de reservas em dezembro de 2004; a Rússia, economia do porte da brasileira, mantinha US$ 73,2 bilhões. Talvez estejam no campo fiscal os indicadores mais delicados da economia brasileira. São dados que não estão diretamente relacionados com o financiamento do balanço de pagamentos, mas são fundamentais na formação da percepção de solvência do Brasil. Houve melhora importante no perfil da dívida, com a queda, de 29,5% para apenas 5%, da sua parcela indexada ao câmbio, entre 2001 e 2004. A maior parte do débito, porém, tem juros pós-fixados. Embora a dívida líquida do setor público tenha se reduzido em cerca de 5 pontos percentuais em 2004, ainda permanece em patamar elevado - 51,3% do PIB - e pode até subir neste ano. "Fatores como a alta dívida líquida do setor público fazem com que a economia continue vulnerável, ainda que menos do que em períodos anteriores", diz o economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon. As exportações, principal fator por trás da melhora dos indicadores externos, serão fundamentais para que a vulnerabilidade da economia se torne cada vez menor. Há receio, porém, de que apreciação do real leve a queda no saldo. Mas essa não é a primeira vez que se vê um futuro menos promissor para o comércio exterior. Nos últimos dois anos, os analistas econômicos e o BC trabalharam com a expectativa de queda no saldo comercial - seja pela recuperação da demanda externa, seja por uma maior valorização da taxa de câmbio. Os prognósticos se mostraram equivocados. Para 2004, por exemplo, o BC esperava saldo de US$ 19 bilhões, e foi surpreendido com quase o dobro disso; para este ano, a expectativa inicial era um saldo de US$ 25 bilhões, mas os números já foram revistos para US$ 27 bilhões - e o mercado trabalha com US$ 34 bilhões.