Título: Brasil ainda distante do grau de investimento
Autor: Affonso Celso Pastore
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F11

O Brasil está próximo de se tornar grau de investimentos? O que falta para isso ocorrer? Quando isso ocorrer, o país terá de fato um grande impulso de crescimento? As respostas a estas três indagações são: o Brasil ainda está distante de se tornar grau de investimentos; para chegar a esta classificação terá de percorrer um longo caminho, melhorando as políticas macroeconômicas e aperfeiçoando as regras da economia de mercado; quando tiver completado este ciclo de reformas e de aperfeiçoamentos acelerará seu crescimento e se tornará grau de investimento. No entanto, não há uma relação de causalidade entre a melhora das "notas" das agências de classificação de risco e o crescimento econômico. As informações contidas naquelas notas são muito semelhantes às contidas nos prêmios de risco dos títulos brasileiros determinados livremente por oferta e procura no mercado financeiro internacional, porém reagem com defasagens mais longas, e ambas refletem a qualidade dos "fundamentos" econômicos, que em última instância condicionam a capacidade do país explorar melhor o seu potencial de crescimento. Países com menores prêmios de risco têm ratings mais favoráveis, políticas macroeconômicas mais sólidas e potencialmente um crescimento econômico mais acelerado, porém a relação entre estas variáveis não é precisa. Por exemplo, Brasil e Turquia têm o mesmo rating, embora a Turquia tenha uma dívida pública maior, mas a dinâmica de sua dívida é favorecida pelas taxas elevadas de crescimento e, como existe a perspectiva de ingressar na União Européia, tem prêmios de risco mais baixos do que os do Brasil, atraindo um fluxo de capitais que lhe permite manter déficits nas contas correntes, por meio dos quais absorve poupanças externas que financiam uma taxa de investimentos mais elevada. Que aperfeiçoamentos são necessários para acelerar o crescimento econômico no Brasil? O primeiro refere-se ao tamanho e à composição da dívida pública. As evidências empíricas mostram que dívidas líquidas do setor de 50% ou 60% do PIB são muito elevadas para economias emergentes e que é necessário reduzi-las. Há poucas décadas, o Chile tinha uma dívida líquida superior a 60% do PIB, com taxas baixas de crescimento e sendo classificado como "grau especulativo", e atualmente mantém taxas de crescimento acima da média dos países emergentes, está classificado como "grau de investimento", e tem uma dívida pública de apenas 7% do PIB! Para chegar a esta posição, manteve por muitos anos superávits primários elevados, contendo os gastos públicos, realizando uma profunda reforma da previdência, resistindo à tentação de elevar a carga tributária. Além do tamanho excessivo, a dívida brasileira tem uma péssima composição. Embora a proporção dolarizada da dívida tenha declinado, perto de 60% da dívida pública interna é indexada à taxa básica de juros. Choques que alteram o câmbio real elevam diretamente a dívida pública, mas ao afetarem a inflação requerem o aumento da taxa básica de juros, o que piora a dinâmica da dívida, porque os juros reais aumentam e o crescimento econômico se reduz. Por isso, os superávits primários além de elevados não podem ser fixos, mas têm de crescer quando o câmbio se deprecia, quando a taxa de juros se eleva e quando a taxa de crescimento econômico se reduz.

É preciso institucionalizar os mecanismos que produzem a estabilidade de preços

As autoridades brasileiras perceberam este ponto, porém o ajuste tem sido muito lento. Seriam necessários superávits primários significativamente acima dos atuais para acelerar a queda da dívida pública, o que reduziria os prêmios de risco e melhoraria a classificação atribuída pelas agências de classificação de risco. A queda conseqüente dos juros de empréstimos externos e o estímulo ao ingresso de capitais acelerariam o crescimento econômico. No entanto, a tentação política de gastar não produziu no governo brasileiro um sentido de urgência. Aparentemente, também, o governo ainda não entendeu que se cortar gastos públicos estará acelerando o crescimento. O aumento dos gastos públicos acentua o crowding-out dos investimentos privados, porque eleva a carga tributária e a taxa real de juros. A queda persistente da relação dívida/PIB também requer reformas mais profundas, como a da previdência. Contrariamente ao Chile, que fez uma reforma profunda, o Brasil apenas ensaiou uma reforma tímida que está longe de criar as condições para que a carga tributária se reduza. Um segundo aperfeiçoamento refere-se ao lado externo. A flutuação cambial permitiu a eliminação de déficits não sustentáveis nas contas correntes, transformando-os em superávits. Os mega-superávits comerciais que conduziram a este resultado têm sido festejados, mas a perseguição da meta de elevados superávits comerciais está muito longe de ser uma estratégia que conduz ao crescimento econômico acelerado. As exportações produzem benefícios, mas o maior deles é permitir o crescimento das importações. A formação bruta de capital fixo no Brasil é extremamente dependente das importações, o que faz com que um câmbio real mais depreciado eleve o custo do capital e, embora favoreça as exportações, prejudicando a formação bruta de capital fixo. Em vez de buscar metas de mega-superávits comerciais, o país deveria buscar o aumento do tamanho do comércio, elevando suas importações e exportações acima do crescimento de seu PIB e acima do crescimento do total das exportações mundiais. O instrumento para isso não é a defesa de um "câmbio competitivo", que apenas esconde a ineficiência dos setores industriais que coincidentemente têm também o maior poder de "lobby", mas sim uma corajosa estratégia de abertura comercial, que não se restrinja ao pequeno mundo dos países Latino-Americanos, mas que enfrente o desafio da integração comercial em escala mundial. Quanto maiores forem importações e exportações em proporção ao PIB, mais sensível é o saldo em contas correntes às variações do câmbio real. Ou seja, a taxa cambial perde parte de sua volatilidade. É claro que por curtos períodos de tempo, quando as reservas são pequenas ou quando há um déficit em contas correntes, o país tem de aceitar câmbios reais mais depreciados, e neste sentido era inevitável que incorrêssemos nos custos incorridos depois de 2002, quando o ajuste externo foi inevitável. Mas este não deve ser um comportamento permanente no tempo. Finalmente, é preciso institucionalizar os mecanismos que produzem a estabilidade de preços e aprofundar o crescimento do crédito de longo prazo. Sem controle fiscal, o crédito é desviado para financiar o governo e o setor privado é crowded out, impedindo o crescimento. A política monetária eficaz requer, portanto, o devido respaldo de uma política fiscal austera, mas a independência de instrumentos é também fundamental para que o compromisso com a estabilidade de preços seja permanente e livre de injunções políticas. Sem controle da inflação, por outro lado, não há crédito de longo prazo e a história econômica mostra que sem crédito é extremamente difícil atingir-se o crescimento econômico acelerado. Mas a estabilidade de preços não é a única condição para ampliar o crédito: é preciso um arcabouço jurídico que permita a execução de garantias. A estabilidade de preços cria uma condição necessária, mas o respeito aos contratos e a agilidade na execução de garantias são as duas molas propulsoras desta expansão.