Título: Sinais de alerta que afetam todo o planeta
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F15

Na primavera do Hemisfério Norte, em abril, brotaram alertas econômicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (Bird), de instituições como o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), de economistas como o afamado Paul Krugman e até do presidente do Federal Reserve (FED), Alan Greenspan. Com nuances variadas, todos apontam sérios riscos no futuro próximo para a economia mundial, e os indicadores de maior perigo parecem partir dos EUA, país que se tornou, com a China, o motor da recente exuberância nos mercados. Dos menos pessimistas aos mais catastróficos, todos apontam na mesma direção: nos próximos anos, o mundo terá de se adaptar a juros maiores e consumo menor, cenário bem diferente do que favoreceu os países em desenvolvimento e permitiu fluxos crescentes de investimento e comércio nos últimos anos. Até meados de abril, a maioria dos alertas parecia conter apenas um forte componente de precaução, baseado na teoria econômica mais que nos resultados concretos dos indicadores. O último Panorama da Economia Mundial, do FMI, faz algumas advertências sobre os riscos de desequilíbrio e de rearranjo desordenado das taxas de câmbio e de juros no mundo, mas fala ainda em "sólida expansão" para 2005, após ter chegado ao fundo o desaquecimento no comércio e na produção industrial do fim de 2004, provocado pelas altas de petróleo e a "volta a um ritmo mais sustentável de crescimento". O FMI até aumentou sua previsão de crescimento da economia mundial para 2005, em 0,2 ponto percentual, para 4,3%, e manteve a expectativa de 4,4% para 2006 - embutindo nesses indicadores uma revisão, para baixo, das expectativas de crescimento para as economias desenvolvidas e aumento na previsão de crescimento nos chamados mercados emergentes. O FMI também revisou para cima suas previsões de alta do comércio internacional e manteve a previsão de inflação mundial sob controle, apesar da elevação nos preços de petróleo e outras commodities. Ao divulgar o tradicional "Global Development Finance", o também o diretor do Grupo de Perspectivas de Desenvolvimento do Banco Mundial, Uri Dadush, comemorou os "excelentes" resultados de 2004 e previu que deverão se manter, até 2006, "as condições econômicas muito boas". O Banco Asiático de Desenvolvimento segue a mesma linha, em seu "Panorama para 2005", e prevê perspectivas de que o crescimento nas maiores economias e o comércio mundial continuem "vigorosos". Os riscos apontados pelos analistas variam conforme as regiões e se distribuem desigualmente dentro delas, entre os países. Na América Latina, é a dívida pública ainda acima de limites desejáveis que alarma economistas. Na Europa e Japão, o que mais preocupa é a dificuldade de se retomar o crescimento em ritmo adequado - e os sinais de retrocesso no projeto da União Européia, com as resistências em países como a França à Constituição comunitária. Na Ásia, a persistência de empréstimos de baixa qualidade no sistema bancário, de déficits nas contas públicas de alguns países e da dependência de importações de petróleo incomodam os mais pessimistas que, em um cenário de crescente integração regional, temem também um ajuste desordenado das taxas de câmbio dos países da região a ser deflagrado por uma possível queda acentuada nas cotações do dólar. Todos os analistas concordam, porém, que o principal foco potencial de problemas são os déficits crescentes nos EUA: a diferença entre o que o país paga e o que recebe do exterior, que já chega a quase 6% do Produto Interno Bruto (PIB) e pode alcançar 7%, segundo alguns analistas; o excesso de gastos em relação às despesas do governo, que já passou de US$ 400 bilhões anuais (3% do PIB) e pressiona a dívida pública; e o grande endividamento das famílias com habitação, que tem elevado os preços dos imóveis e reduzido a taxa de poupança no país. Em 22 de abril, falando a um comitê do Senado americano, o presidente do FED, Alan Greenspan, apesar de aderir ao tom otimista, minimizando o risco das altas do petróleo para a economia americana e elogiando o nível de atividade, enfatizou o "caminho insustentável" tomado pelo déficit nas contas públicas, capaz de fazer a economia "estagnar ou coisa pior". O alerta de Greenspan é complementado pelas advertências do FMI e de outras instituições contra o déficit em conta corrente americano, que chegará a 6% do PIB neste ano, segundo o Banco Mundial. "É um nível insustentável; a redução desse déficit tomará formas difíceis de avaliar", comentou Dadush. "Vai exigir algum ajuste nas taxas de juros, vai requerer ajuste no câmbio." O economista Sidney Weintraub, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, preferiu citar, em relatório lançado em abril, um alerta mais forte de um ex-presidente do FED, Paul Volker, para quem a economia dos EUA caminha sobre "gelo fino". Weintraub acha que o ajuste necessário trará aumento de juros, redução da entrada de capital estrangeiro e queda no PIB, o que afetaria fortemente economias como a do México, que envia ao mercado americano 80% de suas exportações e tem 30% do PIB vinculado à economia vizinha. O México é hoje, depois da Argentina, o mercado que mais cresce em volume de importações do Brasil e uma das razões do robusto desempenho do comércio brasileiro com a América Latina. Weintraub teme que as correções dos desequilíbrios na economia americana venham depois, e não antes, de um colapso. "O ajuste virá, mas o impacto será maior por causa da demora em agir", prevê, sombrio.