Título: Mundo está mais bem preparado para crise
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F16

O Banco Asiático de Desenvolvimento também adota o termo "sombrio" para caracterizar o panorama nos próximos três anos caso o crescimento nos Estados Unidos e China provoquem aumentos ainda maiores nos preços do petróleo e os americanos sejam obrigados a fazer abruptamente o ajuste esperado por todos. As avaliações mais alarmistas, até agora, têm sido sempre acompanhadas de ressalvas com elogios ao robusto crescimento chinês, americano e no mundo em desenvolvimento. Alguns indicadores americanos divulgados em meados de abril, porém, sacudiram os mercados de ações e alimentaram o pessimismo. No começo do mês, a divulgação das perdas de US$ 1 bilhão da General Motors no primeiro trimestre gerou temores de queda nos mercados de títulos, com aumento de custo no lançamento de bônus para os países emergentes; mal os mercados se recuperavam da notícia, a divulgação de indicadores, nos Estados Unidos, de inflação, produção industrial, habitação e vendas do varejo mostraram que os índices de preços estão subindo acima do esperado, enquanto o nível de atividade econômica sofre uma pequena queda - o que faz lembrar o alerta de Greenspan sobre os riscos de estagflação e reaviva temores de um ajuste brusco nas taxas de juros americanas. Um ajuste nos juros sem movimentos sensíveis de redução dos déficits americanos poderia ter efeito sobre os fluxos de capital para os EUA e depreciar ainda mais o dólar, que, já caiu cerca de 15% desde 2002, quando comparado às moedas dos principais parceiros comerciais dos EUA. Além de dificultar as exportações para aquele que se tornou o favorito e maior mercado mundial, essa desvalorização arrastaria consigo parte do valor das reservas internacionais dos países emergentes, hoje mantidas principalmente em títulos da dívida federal americana. Mesmo no pior cenário, os analistas acreditam que o mundo está hoje mais preparado para lidar com uma crise que nos anos 70, quando também o petróleo e o ajuste no dólar e nos juros americanos afetaram duramente os outros países, ou nos anos 80 e 90, com suas sucessivas crises nas nações em desenvolvimento. Na Ásia, onde o BDA estima que haja US$ 1,6 trilhão em reservas internacionais, a maior parte em dólares, ajudando a sustentar os déficits americanos, o comércio internacional se desloca cada vez mais para a própria região, com os países mais dinâmicos do Sudeste Asiático e a China responsáveis pela absorção dos produtos exportados pelos vizinhos. Uma desaceleração da economia americana com juros mais altos e dólar mais fraco certamente terá impacto internacional, mas talvez menor do que se espera. "Há uma visão do apocalipse provocada pelos grandes déficits americanos, uma súbita desvalorização do dólar e rápido aumento dos juros", resume o economista Gary Hufbauer, do respeitado centro de estudos americano Instituto para Economia Internacional (IIE). "A outra história, mais provável, é o gradual ajuste do dólar, como já vem ocorrendo", comenta. Também gradual será o aumento nas taxas de juros americanas, e, acredita ele, a ausência de alternativas mais rentáveis na Europa e Japão, ou mais confiáveis, nos países emergentes, fará com que o resto do mundo continue disposto a financiar por um bom tempo os déficits nos EUA, comprando títulos da dívida do governo americano. "Poderá haver uma queda no crescimento mundial, mas a China continuará sustentando os preços das commodities, como as exportadas pelos países como o Brasil", comenta o economista-chefe do Banco Santander no Brasil, André Loes, que vê disposição no governo dos EUA para consertar gradualmente os desequilíbrios nas conta públicas do país. "Acabou a festa, passamos para uma fase mais realista", resume. Mesmo as visões mais otimistas não apagam as advertências de Uri Dadush, do Banco Mundial, que previu um "meio ambiente financeiro mais turbulento" para os países em desenvolvimento. "A história mostra repetidamente que os responsáveis por políticas são surpreendidos pelas crises financeiras", alertou o economista-chefe do Bird, François Bourguignon, ao divulgar o "Global Development Finance 2005". "Há uma tendência dos mercados e dos governos em não ver os sinais de alerta e reagir exageradamente, tornando maiores os ajustes necessários." A grande maioria dos analistas de economia internacional chegou ao fim do primeiro trimestre de 2004 preocupada com os crescentes riscos criados pelos desequilíbrios na economia dos Estados Unidos, mas otimista em relação a um possível ajuste gradual, capaz de permitir uma lenta valorização do dólar.