Título: Leis que só atrapalham
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 08/03/2010, Política, p. 5

Levantamento do Anuário da Justiça mostra que textos declarados inconstitucionais pelo STF vigoram por até 40 anos

Todos os anos, dezenas de leis brasileiras, elaboradas principalmente pelo Poder Legislativo, acabam declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Muitas chegam a vigorar por 10, 15 e até 40 anos, atingindo diretamente a vida dos cidadãos, antes de serem revogadas por contrariarem a Constituição de 1988. Um levantamento do Anuário da Justiça 2010 mostra que essas leis ficam em vigor, em média, por sete anos.

Ao longo de 2009, 35 leis foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo, sendo 28 estaduais e sete federais. Todas perderam a validade, mas, em alguns casos, os efeitos que exerceram durante os anos em que vigoraram não puderam ser revertidos ¿ pois a decisão não foi retroativa.

É o caso da Lei de Imprensa, o mais emblemático julgado pela Suprema Corte no ano passado. A norma acabou revogada 42 anos depois de ser editada. Aprovada no auge da ditadura militar, a legislação continuou a vigorar durante o regime democrático. Somente 20 anos após a promulgação da Constituição de 1988, a lei, considerada ofensiva aos jornalistas, acabou eliminada do ordenamento jurídico brasileiro.

Com a extinção da lei, as penas de prisão específicas para jornalistas deixaram de existir e os processos contra esses profissionais passaram a ser julgados com base nos códigos Civil e Penal, que estabelecem penas mais leves para os crimes de injúria, calúnia e difamação. A Lei de Imprensa previa até três anos de prisão para quem cometesse esses crimes.

Dentre as 43 ações diretas de inconstitucionalidade julgadas pelo Supremo no ano passado, 38 questionavam leis que tiveram origem no Poder Legislativo. Dessas, 33 acabaram revogadas, ou seja, mais de 85% das normas julgadas em plenário ao longo do ano. As estatísticas sobre as leis declaradas inconstitucionais no ano passado fazem parte da edição de 2010 do Anuário da Justiça, publicação que vai ser lançada na quarta-feira, às 18h30, na sede do STF, em Brasília. O material, produzido em parceria entre o Consultor Jurídico (Conjur) e a Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), traz uma radiografia do Poder Judiciário, com o perfil de 97 ministros dos tribunais superiores do país.

Alvo O levantamento mostra que desde o momento em que uma lei é sancionada até ser alvo de questionamento, passa-se em média cinco anos. E outros cinco até que o Supremo a julgue de maneira definitiva. A média de tempo em que a lei vigora costuma ser de sete anos, uma vez que, antes do julgamento definitivo, o STF costuma conceder liminares que suspendem sua eficácia.

¿A demora é consequência tanto da inércia dos responsáveis por questionar leis como da proverbial lentidão da Justiça em apreciar os questionamentos¿, destaca trecho do anuário. Diretor da FAAP, Américo Fialdini, um dos pesquisadores responsáveis pela publicação, observou que a demora tanto para se entrar com ações, quanto para se julgar ações de inconstitucionalidade colaboram para que leis sem fundamento vigorem por longos anos.

Entre as normas consideradas inconstitucionais no ano passado estão a que permitia a importação de pneus usados e a lei que proibia a divisão dos honorários advocatícios entre contratados e sócios do escritório. A PEC dos Vereadores, promulgada pelo Congresso em setembro último, também foi alvo de ação. O julgamento definitivo ainda não ocorreu, mas uma liminar do Supremo suspendeu os efeitos da emenda que criou mais de 7 mil vagas nas câmaras municipais do país.

DF lidera ranking José Cruz/Divulgação

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, defende que o Poder Legislativo tenha mais zelo quando ¿for tentar aperfeiçoar a legislação brasileira¿ para que não aprove textos que vão de encontro com os dispositivos constitucionais. ¿É preciso uma avaliação mais técnica por parte do Legislativo. As duas casas (Senado e Câmara) têm corpo técnico qualificado para não cometerem tantos equívocos. No ano passado, dedicou-se a votar matérias de interesses corporativos e inconstitucionais, como a PEC dos Vereadores e a não obrigatoriedade do concurso para ingresso nos cartórios. Perdemos muito tempo com discussões de matérias que são claramente inconstitucionais", criticou.

Na opinião de Valadares, a solução para melhorar as leis brasileiras está nas mãos dos cidadãos. ¿A cada dia que passamos temos a obrigação de tentar melhorar a nossa representação política, com pessoas qualificadas, que estejam a fim de defender o interesse da sociedade e não interesses pessoais ou de grupos econômicos¿, aconselhou. Segundo o presidente da AMB, as leis inconstitucionais causam falsas expectativas à sociedade.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, aponta o congestionamento da Justiça como um dos prejuízos causados pelas leis que não obedecem a Constituição. ¿Deveria haver um rigor maior na construção das leis para se evitar o problema na origem. É preciso criar uma estrutura de Estado maior que o interesse político¿, sugere.

O Distrito Federal aparece em primeiro lugar no ranking das leis estaduais julgadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal em 2009. Todas as seis leis da Câmara Legislativa do DF que foram alvo de ações no STF acabaram revogadas. A maior parte porque os deputados distritais legislaram sobre temas de competência exclusiva da União.

É o caso da lei de 1998 que obrigava os motoristas brasilienses a acenderem a luz interna do carro quando se aproximassem de blitz ou barreira policial. Também por ser de competência privativa da União, a lei de 2005 que instituiu o regime jurídico dos integrantes da Polícia Civil foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte.

Despreparo Para o deputado distrital Chico Leite (PT), são dois os motivos para o DF liderar o ranking: ¿Má-fé, aliada à apresentação de expectativas falsas, e boa-fé, aliada ao despreparo do parlamentar. Quem quer defender causas sem conhecê-las acaba prejudicando seu próprio trabalho e o da sociedade¿, avalia.

O distrital, no entanto, avisa que, desde 2007, a Câmara Legislativa deixou de produzir leis inconstitucionais. ¿Quando assumi a presidência interina da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), passei a fazer o controle da constitucionalidade das leis distritais. Fizemos dois seminários sobre o assunto e hoje há um grande rigor antes de a lei ser aprovada pela CCJ¿, explica.

Mozart Valadares cita o esquema em que quase metade dos deputados distritais são suspeitos de recebimento de propina em troca da aprovação de projetos de interesse do governo para justificar a ineficiência da Câmara Legislativa nas últimas legislaturas. ¿Os recentes escândalos tanto do Legislativo, como do Executivo, demonstram, de forma clara, que a população do DF precisa escolher melhor seus representantes políticos.¿

É preciso uma avaliação mais técnica por parte do Legislativo. Perdemos muito tempo discutindo matérias inconstitucionais¿