Título: Opção estratégica pela exportação vira o jogo
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F21

A Ford iniciou, em 1999, um processo de reestruturação da operação no Brasil focado em quatro pilares: produto, marca, distribuição e exportação. A empresa inaugurou uma fábrica em Camaçari, na Bahia, e lançou o Fiesta, em 2002, e o Ecosport, em 2003. São veículos feitos sob medida para mercados emergentes, pois custam mais barato que os seus similares produzidos na Europa ou nos Estados Unidos. Em 2003, a Ford criou uma diretoria de exportações e nomeou para o posto um executivo que atuava na área de estratégia. As mudanças começam a dar resultados. As exportações quadruplicaram de US$ 267,2 milhões em 1999 para US$ 1,1 bilhão em 2004. A filial brasileira vende hoje para América do Sul, Central, Caribe e México. Assim como a montadora americana, empresas nacionais e estrangeiras instaladas no país elegeram o mercado externo como opção estratégica a partir de 1999, incentivadas pelo fim da paridade cambial. Essa escolha provocou mudanças estruturais na indústria, como transferências de linhas de produção, lançamentos de produtos específicos para o consumidor externo e formação de equipes voltadas para o comércio exterior. Levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) demonstra que as exportações respondem hoje por cerca de 25% do valor da produção das grandes empresas nacionais e 20% das estrangeiras. "Uma exportação desse porte não é oportunista", acredita Júlio Sérgio de Almeida Gomes, diretor-executivo do Iedi. O volume exportado pelo país aumentou 49% nos últimos quatro anos, segundo a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Nos manufaturados, a alta é ainda mais expressiva: 60%. No entanto, a rentabilidade das exportações brasileiras caiu 15% no período. Só em 2004, a queda foi de 6% por conta da valorização do real. Para empresários e economistas, a criação de uma cultura exportadora ajuda a explicar uma parte do vigor das exportações nos últimos anos, apesar da perda recente de rentabilidade. Fatores conjunturais como o forte crescimento da economia mundial e a persistente alta dos preços das commodities metálicas também contribuem para esse fenômeno. Edward Amadeo, da Tendências Consultoria, atribui essa mudança na estratégia das empresas à nova lógica da globalização. Na década de 80, as empresas se instalavam no Brasil para vender no mercado interno. Hoje, estão em busca de vantagens fiscais, acesso à matéria-prima, custo da mão-de-obra. Amadeo explica também que a exportação é uma maneira de proteger a empresa da volatilidade da economia brasileira. "A demanda mundial é mais estável", diz. Em busca de estabilidade para suas vendas, a filial brasileira da Caterpillar decidiu começar a exportar no início da década de 90. "O gráfico das vendas de máquinas de construção no Brasil parece um eletrocardiograma, tamanha a volatilidade", diz Suely Agostinho, diretora de assuntos governamentais da empresa. A multinacional americana investiu US$ 400 milhões na última década para modernizar a fábrica no Brasil e transferir linhas de produção. "Foi preciso competir dentro da própria organização para que a qualidade do produto fosse reconhecida", diz Suely. A Caterpillar possui cerca de cem fábricas espalhadas pelo mundo. Segundo a executiva, a filial brasileira tem a vantagem de estar localizada na América Latina, uma região que carece de investimentos em infra-estrutura e onde a demanda por máquinas para a construção civil tende a crescer. A Caterpillar do Brasil exporta hoje para mais de 120 países. Os embarques anuais saltaram de US$ 200 milhões para US$ 700 milhões nos últimos cinco anos. "A exportação ajuda na eficiência da produção nacional, porque aumenta a escala", diz Helmut Schwartz, vice-presidente da Robert Bosch para a América Latina. A multinacional também transferiu linhas de produção para o Brasil e hoje exporta para a matriz, na Alemanha. Por conta dessa decisão, as vendas externas da Bosch Brasil subiram de R$ 800 milhões em 2002 para R$ 1,65 bilhão em 2004 e devem atingir R$ 1,88 bilhão em 2005. A previsão é que as exportações respondam por 47,5% do faturamento esse ano. Schwartz teme, porém, que a alta do real prejudique os futuros investimentos em exportação. As vendas externas foram o remédio encontrado pelo setor automotivo para reduzir capacidade ociosa, fruto de um desempenho inferior ao esperado da economia brasileira. Os embarques deslancharam a partir de 2000, quando o Brasil fechou acordo com o México, reduzindo as tarifas de importação de automóveis desse país. A Volkswagen ampliou seus embarques de 55 mil unidades em 1999 para 208 mil em 2004. Os modelos Gol, Parati e Saveiro são exportados para cerca de 50 países. A empresa também transferiu para o Brasil a produção do Golf. E, a partir deste ano, começa a exportar o Fox para o mercado europeu. A estratégia do setor automotivo foi bem-sucedida e suas exportações estão batendo recorde. Mesmo assim, as montadoras reclamam da queda do dólar, que atingiu R$ 2,5 no fim de abril. "O câmbio está atrapalhando muito", diz Leonardo Soloaga, gerente de exportações da Volks. Segundo ele, a companhia reajustou preços por conta da queda do dólar, o que pode prejudicar a competitividade em alguns mercados e reduzir as exportações a partir do segundo semestre. "A decisão de exportar a partir do Brasil não será revertida, mas a participação das exportações no faturamento pode cair", diz Soloaga. As exportações respondem por 45% do faturamento da Volks. Em 1999, não chegavam a 15%. Dante Marchiori, diretor de exportação da Ford para a América do Sul, também admite que deixar de exportar por conta do câmbio é uma decisão complexa. "É preciso ver qual é o ponto de equilíbrio. Mas não pretendemos manter a exportação a qualquer preço." Para Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de exportação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), os setores exportadores estão reagindo de diferentes maneiras à valorização do real, o que ajuda a minimizar os impactos negativos. Setores como suco, soja ou açúcar exportam até com prejuízo, pois não há demanda no mercado interno para absorver a produção. Já segmentos como aviões ou eletroeletrônicos importam componentes, o que reduz os efeitos do câmbio. Giannetti acredita que os setores mais atingidos pela força do real são têxteis, brinquedos e calçados, porque utilizam insumos nacionais, mão-de-obra intensiva e concorrem com produtos chineses competitivos. Ele também admite que uma série de multinacionais transformou o Brasil em plataforma de exportação e não deve reverter a decisão no curto prazo.