Título: Carga tributária vai dominar campanha
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F27

O governo federal sinalizou este mês que o volume da carga tributária pode se tornar, pela primeira vez, um tema dominante em uma sucessão presidencial. O limite colocado no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de 16% do PIB para as receitas tributárias administradas pela União em 2006, anunciado pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foi uma iniciativa inédita e de claro sentido político, já que ele em si não garante que a arrecadação tributária não subirá. O limite introduzido ainda não afeta os encargos não administrados pela Secretaria da Receita Federal, dos quais a contribuição previdenciária é o maior. Desde Getúlio Vargas, a carga tributária subiu em todos os governos federais, com exceção dos de João Goulart, João Figueiredo e José Sarney, marcados pela explosão inflacionária. No governo Fernando Henrique, a carga global saltou no primeiro mandato de 25% para 29% do PIB, com a diminuição da inflação , e de 29% para 35,5% em 2002, com o aumento das contribuições, como Cofins, CSLL, CPMF e outras. Mas ainda assim o assunto não foi um ponto central do debate eleitoral, marcado pela discussão da manutenção da estabilidade, em 1998 e da geração de empregos, em 2002. No governo Lula, a carga tributária recuou em 2003 e voltou a crescer em 2004, ficando em 35,4% , segundo o cálculo do governo, ou 36,6%, de acordo com a assessoria técnica do PSDB. O tema tornou-se explosivo este ano com a frustrada tentativa do governo de compensar a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física com o aumento da carga do IR sobre prestadores de serviço, por meio da medida provisória 232. A MP uniu contra si o A MP uniu contra si o grande empresariado, tradicionalmente sensível ao tema, com vastos segmentos da classe média que foram atingidos. "A MP 232 abriu um vespeiro, ao atingir os setores que haviam sido vitimados pela terceirização", a afirma o economista Amir Khair, ex-secretário de Finanças no governo petista de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo (1989-1993). Atualmente, cerca de 25% da população economicamente ativa trabalha por conta própria, em grande parte como pessoa jurídica prestadora de serviços. "A repercussão foi grande porque foram atingidos setores com alto grau de mobilização da opinião pública", constata o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Em tempos de crescimento econômico, o tema substituiu os altos níveis da taxa básica de juros como preocupação central na esfera econômica, em que pese as críticas do vice-presidente José Alencar e da esquerda petista. "A taxa Selic chama menos a atenção porque as grandes empresas não estão com um elevado nível de dívidas a curto prazo e as novas modalidades de crédito continuam sustentando o consumo. Para parte do empresariado, a Selic alta é até positiva, caso se pretenda aplicar recursos no mercado, e não investir", lamenta Khair. No cenário do próximo ano, os petistas acham que a nova regra da LDO, aliada à aprovação da reforma tributária ainda em 2005 e da redução seletiva de impostos para alguns setores provocará a redução da carga. É um movimento que começou ainda no ano passado, segundo Mercadante, com uma série de medidas para aliviar a carga sobre o setor de bens de capital. "O governo já está preparando novas medidas seletivas para estabelecer mecanismos de compensação caso a arrecadação tributária exceda o previsto", afirma o senador. A ação governamental para tentar baixar a carga se somará às críticas à elevação de impostos no governo tucano. "Este tema no debate político será um incômodo para o PSDB e para o PFL, que terão muita dificuldade em sustentar um discurso crítico", diz Khair. Assessor do PSDB para assuntos econômicos, o economista José Roberto Afonso afirma que a própria falta de ressonância do tema no governo passado indicaria que o aumento da carga tributária na era FHC- proporcionalmente o maior da história do país- teria sido feito de maneira mais indolor. "É preciso olhar como o aumento da carga foi distribuído no passado e como ele é feito hoje. Em 2002, a elevação da carga se concentrou em cima dos fundos de pensão, não disseminando para a sociedade como um todo. A tabela do IRPF foi mantida congelada por seis anos, mas em um momento de inflação baixa", argumenta. No governo Lula, de acordo com o economista do PSDB, o aumento da carga incidiu fortemente sobre a circulação de bens e a prestação de serviços, ganhando em intensidade em relação ao governo passado. Afonso cita um exemplo: o aumento de 75% na Cofins na venda de energia elétrica, sem diferenciação para o consumo de baixa renda. Os tucanos dão sinais de que podem tentar tirar o tema da carga tributária do centro do debate e procurar direcionar a discussão para a parte fiscal, questionando a qualidade do gasto público do atual governo. "O gasto social está aumentando, mas de forma ruim. No Rio, o governo federal tentou assumir a gestão de hospitais, centralizando decisões e despesas. Temos uma das piores taxas de investimento público do mundo", diz Afonso. Este mês, em Belo Horizonte, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, sinalizou como o governo pretende enfrentar a dicussão. Dirceu afirmou que os tucanos têm uma visão fiscalista do Estado e pretendem zerar o déficit público zerando gastos sociais Em relação à nova LDO, Afonso aposta no fracasso da iniciativa como um limitador da carga tributária. "A medida não terá eficácia nenhuma porque não prevê o que ocorrerá se for constatado o excesso de arrecadação. É um factóide mal escrito", diz. E a possibilidade de excesso de arrecadação, segundo Amir Khair, é enorme. "Em um quadro de crescimento econômico como o que estamos tendo, a inadimplência tende a cair e isto por si só faz a arrecadação tributária crescer. Khair também desconfia do impacto da inovação introduzida na LDO. "Foi um gesto pouco ousado. O governo deveria colocar metas em relação ao seu resultado nominal, para envolver a política de juros na construção de um resultado fiscal positivo. Isto possibilitaria uma política consistente de redução da carga", diz.