Título: Crise prejudica doações para países pobres
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 08/03/2010, Economia, p. 11

Ajuda financeira de nações mais ricas encolherá US$ 20,7 bilhões

Para Roberto Padovani, em alguns locais, remessas alimentam a corrupção e desestimulam a iniciativa empresarial

Os países pobres vão sofrer duplamente os efeitos da crise internacional. Além dos prejuízos à indústria e à agricultura causados pela redução das exportações, com a queda no fluxo do comércio exterior, eles também vão enfrentar severos cortes na ajuda financeira dada pelas nações mais ricas. Relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta uma diminuição de US$ 20,727 bilhões nos recursos a serem doados. Analistas ouvidos pelo Correio criticam esses programas de auxílio, que deveriam ser substituídos por uma política de abertura de mercados e redução de tarifas, incentivando a compra dos produtos das economias menos avançadas.

Segundo a OCDE, 22 de seus membros se comprometeram, em 2005, a doar US$ 128,128 bilhões às nações necessitadas neste ano, em especial na África e na Ásia. Recente revisão das projeções descobriu que, após a grave recessão causada pela crise nas economias centrais, a promessa caiu para US$ 107,401 bilhões. Do total, 15 membros do grupo vão reduzir as remessas, seis pretendem aumentá-las e só um (Austrália) deve manter o nível (veja quadro abaixo).

Além da redução nas projeções, os países pobres também enfrentarão uma forte queda nominal em relação às doações totais em 2008, último dado reunido pela OCDE ¿ os valores de 2009 ainda não foram compilados. O encolhimento do projetado para este ano ante os US$ 128,608 bilhões de 2008 é de 16,5%. O resultado do ano passado, o mais afetado pela crise global, deve ter sido pior do que os anteriores. Ainda assim, os executivos da OCDE comemoraram o fato de o compromisso, se efetivado, representar alta de 35% sobre o executado em 2004.

Crise fiscal Dos membros do G-7, grupo dos sete países mais industrializados, apenas os Estados Unidos aumentaram a estimativa de remessas. Alemanha, Reino Unido, França, Japão, Itália e Canadá, diminuíram. Na lista dos doadores, estão países com sérios problemas fiscais, com deficits nas contas públicas superiores a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), como os EUA, Itália, Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia. Apesar das dificuldades, eles pretendem manter os programas. ¿É difícil romper esses acordos de forma abrupta. Certamente, esses países cortaram onde podiam cortar¿, aposta o estrategista-chefe do Banco WestLB, Roberto Padovani.

O economista espera redução mais pronunciada nos auxílios daqui por diante porque os países ricos terão de passar por um sério ajuste fiscal nos próximos anos, cortando despesas para evitar a insolvência e a inflação. Para Padovani, a ajuda se justifica para povos que dificilmente conseguiriam sobreviver sem ela, como os Territórios Palestinos. ¿Áreas destruídas por guerras não têm como arrecadar impostos. Por isso, precisam de capital externo¿, diz. Em outros locais, entretanto, as remessas alimentam a corrupção e desestimulam a iniciativa na indústria e na agricultura.

Suécia é a mais solidária

Não são poucas as críticas às doações aos países mais pobres. ¿Esses recursos se perdem na corrupção e não chegam a quem de fato precisa. São parte de acordos internacionais e só existem para mitigar os danos causados por outras políticas, como a comercial¿, afirma Simão Davi Silber, professor de economia internacional da Universidade de São Paulo (USP). Em valores nominais, os Estados Unidos serão os primeiros no ranking das doações, com US$ 24,705 bilhões ¿ houve até um aumento de US$ 750 milhões em relação à previsão inicial. Como proporção das riquezas geradas no país, porém, os EUA ficam na rabeira da lista, contribuindo com apenas 0,20%, mesmo nível de Japão e Itália.

¿Esse instrumento da doação é inadequado. Se quiser ajudar a África, o governo dos EUA deveria reduzir o subsídio a seus produtores de algodão. Aí os africanos poderiam vender mais e aumentar a renda¿, defende Silber. Na sua visão, a retomada da Rodada Doha de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio (OMC), com ganhos concretos para os países produtores agrícolas, seria bem mais eficiente para tirá-los da pobreza. As negociações em Doha estão emperradas porque norte-americanos e europeus querem mais concessões do Brasil, da China e da Índia na área industrial e de serviços e se recusam a abrir os mercados para produtos primários.

Como alternativa, o estrategista-chefe do Banco WestLB, Roberto Padovani, recomenda aos líderes das economias avançadas a assinatura de acordos comerciais com os países mais pobres, uma espécie de Doha localizada. Segundo o economista, a França, por exemplo, passa a imagem de preocupada com o destino alheio, mas é um dos mercados mais fechados para os produtos agrícolas do Hemisfério Sul.

Proporcionalmente, o maior benemérito é a Suécia, que destina 1,03% das suas riquezas a programas humanitários, seguida pelos demais nórdicos e Luxemburgo. Na média entre 2006 e 2008, cinco nações africanas e cinco asiáticas estiveram no topo dos receptores do auxílio. Entre elas, duas ocupadas militarmente pelos EUA (Iraque e Afeganistão) e outras que estão entre as mais miseráveis, como Etiópia e Sudão. As áreas mais beneficiadas pelos recursos são infraestrutura (19,2%), administração pública (13,2%), saúde (11%) e educação (7,7%). (RA)