Título: Oferta de energia exige US$ 5,5 bi ao ano
Autor: Daniel Rittner e Leila Coimbra
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2005, RUMOS DA ECONOMIA, p. F42

A expansão do setor elétrico brasileiro requer investimentos de US$ 5,5 bilhões por ano para afastar o fantasma de novos racionamentos, apontam estimativas de empresários. Negado pelo governo e visto por especialistas como uma possibilidade concreta de abortar o crescimento sustentado, o risco de desabastecimento energético aumenta paulatinamente, à medida que empreendedores não conseguem tirar seus projetos da gaveta. Segundo levantamento feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em abril, apenas um quarto das usinas hidrelétricas licitadas entre 1998 e 2002 está em dia ou com o cronograma adiantado para entrar em operação. De 40 empreendimentos avaliados, somente dez não apresentam atraso em relação ao planejamento original. A grande maioria enfrenta dificuldades na área de licenciamento ambiental. Pelo menos 22 usinas não tiveram as suas obras iniciadas. Se o país continuar crescendo a uma taxa igual ou superior a 4% nos próximos anos, "não é nada desprezível o risco de falta de energia a partir de 2009", alerta Adriano Pires, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura. O governo não concorda. A ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, tem dito insistentemente que esse risco está afastado até 2010. Segundo Dilma, dos 13 mil megawatts que estavam travados por problemas ambientais desde que assumiu a pasta, em janeiro de 2003, faltam destravar apenas 2 mil MW. "Usinas importantes como a de Estreito, São Salvador e Peixe Angical tiveram o licenciamento liberado", disse a ministra. Desde que assumiu a pasta, Dilma se empenhou pessoalmente na elaboração de um novo marco regulatório para o setor elétrico, concluído em agosto do ano passado. Um teste crucial para o novo modelo foi o megaleilão de energia "velha" - já existente - realizado em dezembro. As visões sobre o sucesso do pregão foram contrastantes. "Os preços foram tão baixos que nem Furnas compareceu no segundo leilão", avalia o professor Adriano Pires, em referência aos contratos negociados entre geradoras e distribuidoras para a entrega de energia, por oito anos, a partir de 2005, 2006 e 2007. Algumas geradoras preferiram sair do leilão a vender energia a uma cotação baixa, o que, em tese, comprometeria a rentabilidade futura delas. A ministra Dilma discordou das análises pessimistas, argumentando que o mais importante era o "efeito escadinha" - isto é, embora inicialmente baixos, os preços iam aumentando até oferecer um patamar adequado de remuneração ao investidor na energia negociada para entrega a partir de 2007 e 2008. Dilma tem demonstrado confiança no sucesso da licitação de 17 novas hidrelétricas que o governo pretende fazer até o fim de junho. A tarefa, entretanto, não será fácil. De todos esses empreendimentos planejados, apenas um obteve licença ambiental até agora - no novo modelo, diferentemente do anterior, as licitações só podem ser feitas quando os órgãos de meio ambiente já tiverem aprovado os projetos. Mais uma vez, a ministra acredita que isso não será um empecilho: "Estamos dentro dos prazos e a maioria destes empreendimentos deverão estar com a licença prévia ainda neste ano", afirma Dilma, que pretende fazer o leilão de novos projetos hidrelétricos ainda neste ano. O Ibama também rechaça críticas dos investidores. Além de a maioria das usinas em fase de licenciamento estar sob responsabilidade de órgãos estaduais, a autarquia ressalva que projetos de alta complexidade não podem ser aprovados sem cuidados e contrapartidas ambientais e sociais. Mas esse não é o único problema. A falta de mecanismos adequados de financiamento pode transformar-se em outro empecilho. Um estudo realizado pela Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) aponta a necessidade de investimentos anuais de US$ 5,5 bilhões para eliminar a perspectiva de novos apagões. Segundo a entidade, o país tem aplicado aproximadamente metade disso. "Cerca de 30% podem vir das reservas das próprias companhias investidoras, mas o restante precisa ser captado no mercado e o desafio é encontrar recursos suficientes, além de equilíbrio entre custos, riscos e garantias", diagnostica o presidente da Abdib, Paulo Godoy. De acordo com o executivo, esse volume de investimentos - dos quais 50% em geração, 30% em distribuição e 20% em transmissão - garantiria a entrada em operação de algo entre 2,5 mil e 3,5 mil megawatts por ano. Há quem veja mais um obstáculo à implantação de novas hidrelétricas. O pesquisador Carlos Feu Alvim, da organização não-governamental Economia e Energia, lembra que as usinas programadas para entrar em operação entre 2004 e 2008 terão reservatórios menores e capacidade para estocar, nas barragens, energia suficiente para enfrentar apenas dois meses de estiagem. Elas não só estão localizadas em áreas ambientalmente mais complicadas, como também têm agora populações urbanas por perto. Nos anos 70, a exploração do potencial hidrelétrico na região Sudeste assegurava uma capacidade para armazenar até dois anos de energia em grandes reservatórios. Alvim traça um cenário preocupante. Para a regulação sazonal, segundo o especialistas, são necessários pelo menos três meses de energia hídrica armazenada. Em um ano seco, como o de 2001, pelo menos cinco meses. Um número cada vez maior de analistas começa a ver na construção de usinas termelétricas uma alternativa para escapar de situações dramáticas no fornecimento de energia. Até uma parte do governo reconhece que elas podem mesmo ser necessárias. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, não acredita na hipótese de desabastecimento a partir de 2009 ou 2010. Mas observa que todas as opções de aumentar a oferta de energia implicam em custos, maiores ou menores, para o meio ambiente. Se as hidrelétricas previstas não puderem sair do papel, projetos de centrais térmicas terão que ser desengavetados. "A situação que enfrentamos em 2001 decorreu da expectativa de que as forças do mercado antecipariam o problema e fariam a curva da oferta subir junto com a demanda", afirma Kelman. A lição foi aprendida, acrescenta ele, e o governo está olhando para frente: "No limite, ainda temos a chance de contratar usinas termelétricas até três anos antes". As térmicas demoram bem menos para serem construídas do que as hidrelétricas. Para alguns estudiosos, não se deve esquecer uma outra alternativa. "O mundo todo está retomando a construção de usinas nucleares. Precisamos seguir a mesma linha", defende Ronaldo Fabrício, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Técnicas e Industriais na Área Nuclear (Abdan). A retomada das obras de Angra 3 foi discutida pelo governo no mês passado, mas sem decisão e houve um racha. De um lado, os ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente são fortemente contrários. De outro, o Ministério de Ciência e Tecnologia e a Casa Civil defendem o projeto. A usina acrescentaria 1.350 MW ao sistema elétrico, com investimentos de US$ 1,8 bilhão - cerca de US$ 700 milhões já foram aplicados. Para quem é contra, o alto custo da energia nuclear não compensa e os riscos ambientais ainda são muito grandes. Para quem é a favor, trata-se de uma decisão alinhada com a tendência internacional. "A China está construindo 20 usinas nucleares até 2020", observa Ronaldo Fabrício. Uma decisão deve sair nas próximas semanas.