Título: Falta razão e sensibilidade no debate sobre agências
Autor: Luiz Alberto dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2005, Opinião, p. A10

A Associação Brasileira de Agências de Regulação - ABAR realiza, de 15 a 18 de maio de 2005, o seu IV Congresso Brasileiro, em Manaus. Pretende o evento debater, entre outros temas, os aspectos institucionais e legais das agências reguladoras, a fiscalização de serviços delegados, indicadores de qualidade, defesa de usuários, mecanismos de mediação e arbitragem e defesa da concorrência. Até aí, nada de mais. Trata-se de uma entidade de direito privado, sem fins econômicos ou lucrativos, que tem como finalidade "contribuir para o avanço e consolidação das atividades de regulação em todo o Brasil", "promover o aprimoramento da regulação nacional" através da mútua colaboração entre as associadas, os entes públicos, os delegatários de serviços públicos e os usuários, "atuar de forma propositiva no equacionamento de questões técnicas da regulação", "desenvolver estudos que visem ao aprimoramento das atividades de regulação dos serviços públicos delegados" e "promover atividades relacionadas com o processo de capacitação na área de regulação", dentre outras atividades. Não deixa, porém, de causar estranheza, a existência de uma entidade que tem também entre suas atribuições "atuar na defesa de suas associadas" que são, nada mais nada menos, entidades autárquicas, pessoas jurídicas de direito público criadas por lei de iniciativa dos chefes de Poder Executivo, que exercem funções regulatórias e fiscalizatórias que lhes são delegadas pela lei. Ou seja: caso o chefe do Poder Executivo decidisse, num determinado momento, fundir, extinguir ou cindir uma agência reguladora, seria papel da Associação "defender" a sua filiada contra esse "abuso", lutando, assim, pela "conservação" e sobrevivência daquela filiada. Sob essa perspectiva corporativa de atuação, não é de se estranhar que a associação divulgue o evento que em boa hora promove nos seguintes termos: "No Congresso Nacional, está em debate projeto de lei que, sob o argumento de estabelecer o controle social, tem como objetivo restringir a autonomia e a independência dos órgãos reguladores". O juízo é definitivo; segundo a entidade que "defende" as agências reguladoras, o governo federal quer "restringir a autonomia e a independência dos órgãos reguladores". E para isso usa o argumento de que está tentando "estabelecer o controle social".

O resto do mundo avança na criação de meios de supervisão e de controle social sobre a atividade regulatória

É patente, no caso, a falta de sensibilidade da entidade para um problema da maior gravidade, que foi amplamente explorado em reportagem do jornal Correio Braziliense, de 13 de março de 2005, que destaca os resultados de pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que demonstra que a insatisfação da população com as agências reguladoras é evidente. Segundo a reportagem, "o Idec finalizou um estudo sobre as queixas dos consumidores contra esses órgãos nos últimos cinco anos. Encabeçam a lista de reclamações a Agência Nacional de Saúde (ANS), a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), o Banco Central (BC) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)." Ruy Coutinho, ex-presidente do CADE, afirma que "temos no Brasil o fenômeno da captura. Os regulados capturaram os reguladores. O que prevalece é o interesse das empresas e não o interesse público. Será preciso uma ampla mobilização da sociedade, do Congresso e da Justiça para as agências cumprirem o papel para o qual foram criadas: regular e fiscalizar, corrigindo as falhas do mercado". As deficiências estruturais e institucionais das agências são, ainda, apontadas por estudos e auditorias do Tribunal de Contas da União, cuja atuação tem-se fortalecido num segmento novo da administração pública federal, marcado, ainda, pela confusão de papéis e competências, pela fragilidade institucional e pela visão mítica de que a "autonomia" a ser concedida às agências deve ser absoluta, desconhecendo-se a legitimidade do Poder Executivo para exercer a função de supervisão ministerial sobre todos as entidades da administração indireta. Enquanto isso, no resto do mundo, avança-se na criação de mecanismos de supervisão e de controle social sobre a atividade regulatória, como exemplifica a atuação de órgãos como o Government Accountability Office - GAO e Office of Management and Budget, nos EUA; da Comision Federal de Mejora Regulatoria; no México, e da Superintendência General Del Sistema de Regulacion Sectorial - SIRESE, na Bolívia, sem falar na experiência canadense na fixação de metas de desempenho gerencial e avaliação da eficiência de agências reguladoras. A melhoria da eficiência dos entes de regulação - seja em seu sentido estrito ou no que se refere à própria qualidade regulatória - tem impactos diretos no grau de competitividade dos setores regulados, tanto pela redução de prazos quanto pela eliminação de redundâncias, desperdícios, redução da vulnerabilidade à captura e aumento da transparência perante a sociedade. Essas são as metas que o governo Lula pretende alcançar, e para isso, o projeto de lei ora em discussão no Congresso traz modesta contribuição, ao prever mecanismos gerais de aperfeiçoamento da "accountability" das agências diante do Congresso e dos ministérios supervisores, sem causar qualquer redução da autonomia decisória ou técnica das mesmas. O contrato de gestão, na sua singeleza, permitirá que os recursos destinados a elas sejam legitimados pelos resultados a serem atingidos em benefício de toda a economia e dos consumidores e cidadãos, e não a redução de uma "independência" que, a rigor, a Constituição Federal não contempla e que vários juristas já ressaltaram tratar-se de um termo impróprio para o grau de autonomia que, no Brasil, pode ser atribuído por lei às agências reguladoras. É hora, portanto, de abandonar a postura corporativa e olhar o processo em curso como o que ele, na nossa avaliação, realmente é: uma oportunidade para o aperfeiçoamento institucional das agências reguladoras e de sua relação com os poderes constituídos. As agências reguladoras, como instituições do Estado brasileiro, não podem atuar, ainda que na defesa de interesses legítimos, como se estivessem sob o cerco do inimigo e protegendo a sua própria sobrevivência. Devem, sim, atuar propositivamente e contribuir para que, da melhor forma, os objetivos colimados pela proposta em fase de discussão no Congresso sejam efetivamente alcançados.