Título: Chanceler argentino critica ação de diplomacia brasileira
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2005, Especial, p. A12

O chanceler argentino, Rafael Bielsa, reconheceu ontem que existem atritos de seu governo com a diplomacia brasileira. Ele fez críticas à falta de disposição do Brasil para solucionar o que chamou de "déficit institucional" do Mercosul e voltou a pressionar para que sejam criados, dentro do bloco, mecanismos que permitam que a Argentina proteja setores de sua indústria. Em entrevista a uma rádio portenha, Bielsa também disse que os problemas do Mercosul devem ser resolvidos antes de tentar reforçar a Comunidade Sul-americana de Nações, bloco fundado no ano passado e usado pelo Brasil como mecanismo de mediação durante a crise equatoriana. Segundo o chanceler, na visão da Argentina "a tarefa prioritária" do Mercosul deve ser "resolver as assimetrias econômicas" entre os dois sócios comerciais. Bielsa deu as declarações no mesmo dia em que o jornal argentino "Clarín" publicou reportagem afirmando que o governo argentino quer "endurecer" sua postura em relação ao Brasil. Citando como fonte um funcionário não-identificado da chancelaria argentina, a reportagem diz que o presidente Néstor Kirchner "está cansado das travas econômicas brasileiras, da falta de apoio à Argentina do governo brasileiro no FMI e também do protagonismo que o presidente Lula quer ter na região". As declarações teriam sido dadas após reunião convocada por Bielsa em Washington com seus principais embaixadores para discutir a relação com o Brasil. Um porta-voz da chancelaria disse que as relações com o Brasil foram debatidas em Washington, mas considerou exagerado o tom da reportagem do jornal argentino. O embaixador brasileiro em Buenos Aires, Mauro Vieira, não quis fazer declarações a respeito, e a assessoria de imprensa da embaixada considerou que o que foi publicado pela imprensa não corresponde "ao nível de excelência e amizade que continuamos a observar em todos os contatos oficiais" entre os dois governos. Em Paris, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, minimizou as declarações atribuídas ao presidente da Argentina, mas tratou também de destacar que o Brasil "apóia posições argentinas". Amorim disse que não tinha lido o artigo do "Clarín" e ao saber que declarações atribuídas ao presidente não estavam citadas em aspas, comentou: "Então vamos deixar pra lá, é especulação." Mas indagado se ficaria surpreso se elas fossem verdadeiras, retrucou: "Na minha idade não fico surpreso com muitas coisas, mas não quer dizer que isso vai ocorrer." A única noticia que ele disse ter lido sobre a Argentina foi a confirmação da ida de Kirschner para a cúpula com os paises árabes, em Brasília, o que considera muito bom. "As relações com a Argentina são muito boas. Podemos ter abordagem diferentes em determinados temas, mas nas negociações comerciais temos posições muito semelhantes." Na sua entrevista à rádio, o chanceler Rafael Bielsa lembrou que até hoje o Brasil não respondeu à proposta feita em setembro do ano passado pela Argentina para criar mecanismos para diminuir as chamadas "assimetrias" entre as duas economias, que colocariam o seu país em desvantagem. "Até o dia de hoje este documento não recebeu uma resposta satisfatória. Nós vamos continuar insistindo, apesar de o que estamos pedindo não ser nada mais que o cumprimento de uma norma." Entre outras propostas, a Argentina quer mecanismos de proteção a setores industriais que seriam acionados em casos de defasagem de ciclos econômicos ou de alterações bruscas de política econômica, como por exemplo uma desvalorização cambial. O governo do país vizinho também deseja criar regras que evitem que os investimentos de companhias estrangeiras se concentrem no Brasil. A proposta chegou a ser discutida entre funcionários dos dois governos, mas segundo os argentinos, o Brasil nunca deu uma resposta consistente ao documento. Uma reunião para tratar do assunto prevista para o mês passado foi adiada duas vezes pelo Itamaraty.