Título: Negociação agrícola corre risco de fiasco
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2005, Brasil, p. A3

A miniconferência de cerca de 30 ministros de comércio, hoje em Paris, mais parece a história de um fiasco anunciado, a se julgar pelo ambiente "altamente negativo" de ontem a noite após malogradas tentativas de acordo na área agrícola entre ministros do Brasil, Estados Unidos, União Européia, Índia e Australia. Será uma grande surpresa se houver acordo hoje para conversão de tarifas agrícolas, a fim de desbloquear as negociações na Organização Mundial de Comercio (OMC). A menos que a União Européia, que está totalmente isolada, apareça esta manhã na mesa de negociação com alguma proposta que os exportadores considerarem "flexível". Se confirmada a falta de acordo, hoje, ela compromete o plano de acelerar a rodada em Hong Kong em dezembro deste ano e concluí-la no ano que vem. Uma proposta colocada na mesa ontem pela comissária agrícola européia, Marianna Fischer Boel, piorou o ambiente. Agora, a UE propôs um plano chamado ´´3x3´´. Os países se concentrariam nos três pilares da negociação agrícola - acesso ao mercado (corte de tarifas, cotas), subsídios à exportação e subsídios domésticos -, ao invés de continuar bloqueando a conversão das tarifas. Pela idéia européia, os países negociariam compromissos para redução ou eliminação tarifas e subsídios em três etapas. Assim, haveria três percentuais de cortes de tarifas, três prazos para eliminar subsídios a exportação (imediato, a médio e longo prazo) e também para cortar subvenções internas que distorcem o mercado agrícola mundial (começando pela caixa azul, que não é ligada a produção). "A idéia é de negociar globalmente para permitir que a negociação agrícola prossiga", explicou Michael Mann, porta-voz agrícola europeu. "É um esforço de ampliar a negociação, e não ficar bloqueado numa questão técnica". Mas a reunião de ministros do G-5 (Brasil, EUA, Índia, Austrália e UE) resultou em redondo fracasso, ontem à tarde, com os quatro primeiros contra os europeus. Indagado como a proposta européia foi recebida, um negociador respondeu: "Ela não foi recebida". O ministro Celso Amorim desmarcou uma entrevista coletiva. E saiu dizendo que "não há nova iniciativa nem progresso". Para exportadores, o que a UE está propondo é voltar ao começo da negociação agrícola na OMC. Ainda mais que não se pode discutir sem a conversão das tarifas. "A UE não tem espaço nem vontade política para se mover na agricultura", diz importante negociador. O novo representante comercial americano, Rob Portman, disse que os EUA continuariam tentando unir as diferenças. Os EUA na questão agrícola tem sensibilidades nos dois lados, tanto protecionista em alguns produtos como altamente ofensiva em outros. Ontem a noite, o mediador agrícola Tim Groser reuniu de urgência altos funcionários do G-5 e do G-10, o grupo protecionista liderado pela Suíça, Japão e Noruega. O confronto continuou. Os exportadores estavam ainda mais decepcionados, porque eles chegaram ao ponto de aceitar as exigências européias sobre um novo calculo da conversão tarifaria baseada em preço. O problema é que os europeus querem sempre mais, reclamam exportadores, e tentam proteger um número alto de produtos de fortes cortes tarifários para não enfrentar a concorrência. "Todos temos sensibilidades na agricultura, mas precisamos dar sinais de que esta é realmente uma rodada para o desenvolvimento", reagiu o ministro de Comércio da Índia, Kamal Nath. Já de manhã, provavelmente sentindo que o impasse estava realmente duro de ser superado, a delegação brasileira começou a dar sinais de mudanças no discurso. Antes, a mensagem era de que o "motor" da negociação na OMC é a agricultura, e sem ele tudo pára. Mas Celso Amorim e o embaixador Clodoaldo Hugueney já admitiam que mesmo a ausência de acordo sobre a equivalência das tarifas não impediria os países de continuar discutindo subsídios à exportação e apoio doméstico agrícola. Hoje cedo haverá nova tentativa de aproximação, antes da mini-ministerial formal. Mas o ´´plano B " está delineado: os ministros não vão jogar ´´mais carburante no fogo´´ e deverão repetir que os trabalhos vão continuar na OMC.