Título: BNDES vai liberar este ano só 21% dos recursos para obras na América do Sul
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2005, Brasil, p. A4

O plano do governo Lula de financiar US$ 3 bilhões até 2007 em obras de infra-estrutura em países da América do Sul, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está se provando mais difícil do que a boa vontade política do Brasil poderia imaginar. A carteira do BNDES na área de integração sul-americana soma US$ 1,9 bilhão, dos quais cerca de 25% (US$ 458 milhões) correspondem a projetos "em perspectiva", que foram listados pelos países interessados, mas não chegaram ao banco, e em "consulta prévia", fase anterior ao enquadramento da operação. Para 2005, a estimativa do BNDES é liberar US$ 401,6 milhões para apoiar a exportação de bens e serviços brasileiros em projetos de infra-estrutura na região. O montante equivale a 21% da carteira de US$ 1,9 bilhão ou a cerca de 9% da previsão de desembolsos do BNDES-Exim, o braço de exportações do BNDES, para este ano, de US$ 4,5 bilhões. A estimativa de liberar US$ 3 bilhões em quatro anos (2004-2007) para financiar a construção de estradas, hidrelétricas, aeroportos, gasodutos e metrôs em países como Venezuela, Equador, Colômbia e Argentina, entre outros, partiu do ex-vice presidente do BNDES Darc Costa.

Burocracia e empecilhos legais dentro e fora do Brasil levaram, porém, ao descasamento entre a realidade e a expectativa criada a partir de 2003, quando o governo brasileiro se propôs a estabelecer novas linhas de crédito com seus parceiros sul-americanos. Com a Venezuela, o Brasil assinou protocolo para financiar até US$ 1 bilhão; com a Argentina mais US$ 1 bilhão e com a Bolívia, US$ 600 milhões. Existe ainda a expectativa de que o Brasil financie a construção de três rodovias no Paraguai, no total de US$ 100 milhões, por meio do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), com garantias dadas pela Corporação Andina de Fomento (CAF). A modelagem em análise para a pavimentação das rodovias paraguaias reproduz engenharia financeira usada pelo Brasil para financiar projetos de infra-estrutura, envolvendo bens e serviços brasileiros, no Peru e na Bolívia. A Bolívia tem direitos a empréstimos "concessionais" (em condições vantajosas de custo e prazo), o que impede empréstimos pelo BNDES. A saída, neste caso, é fazer as operações com recursos do Tesouro via Proex. A transferência de alguns projetos da alçada do BNDES para o Proex pode ter contribuído para reduzir a carteira do Departamento de Comércio Exterior e Integração Sul-Americana em relação ao estimado por fontes do governo. "Todo mundo sabia que a cifra de US$ 3 bilhões era irreal", disse fonte de uma empresa que exporta bens e serviços para a América do Sul. Executivo de outro grupo, que não quis se identificar, acrescentou que uma queda-de-braço entre o BNDES e o Tesouro Nacional em torno da estruturação de garantias para que o banco de fomento pudesse financiar projetos de integração atrasou o processo. Depois da troca da diretoria do BNDES, em novembro de 2004, algumas idéias, como nomear um representante permanente da instituição em Buenos Aires, foram abandonadas. O superintendente da área de comércio exterior do BNDES, Luiz Antonio Araujo Dantas, argumenta que as operações de financiamento às exportações de bens e serviços precisam ser montadas uma a uma, dependendo das garantias. A cautela bancária nem sempre acompanha o ritmo da vontade política. O Brasil insistiu para que os bancos centrais de seus parceiros, em especial Argentina e Venezuela, aceitassem correr o risco dos importadores oferecendo garantias para as exportações brasileiras por meio do Convênio de Créditos Recíprocos (CCR), instrumento usado contra calotes pelos países da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). Dois projetos recentemente aprovados pela diretoria do BNDES contam com garantia CCR. São as expansões dos gasodutos TGS e TGN, na Argentina, dos quais a Petrobras é acionista. O banco aprovou crédito de US$ 230 milhões para os projetos e a previsão é de que os recursos sejam todos liberados este ano. Além dos aprovados, a carteira de integração do BNDES inclui projetos contratados, em análise, em consulta prévia e em perspectiva. Para o Equador, existem perspectivas de financiamento por US$ 532,9 milhões, dos quais US$ 76,6 milhões poderão ser liberados em 2005. No Peru, há previsão de empréstimos por US$ 158,6 milhões; na Colômbia, de US$ 102 milhões e no Uruguai, de 68,9 milhões. Armando Mariante, diretor das áreas industrial e de comércio exterior do banco, diz que o Banco Central argentino se dispôs a incluir operações por US$ 300 milhões no CCR, o que exigiu uma capitalização pelo Tesouro do Banco de la Nación, por onde cursam as operações. Mariante disse que a área de comércio exterior do banco se reunirá com a CAF, neste mês, em Caracas, para conversar sobre a estruturação de operações conjuntas entre BNDES e CAF. O banco também analisa o uso de alternativas de garantias ao CCR. O banco poderá financiar a exportação de equipamentos para a produção de níquel em Cuba, tendo como garantia recebíveis do metal por parte do importador brasileiro. Outra operação envolve garantia soberana do Tesouro para financiar US$ 20 milhões em geradores de energia elétrica.