Título: Lebres e tartarugas
Autor: David Kupfer
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2005, Opinião, p. A11

Tornaram-se lugar comum referências elogiosas ao que é considerado um desempenho fora de série das exportações brasileiras no período recente. Nada mais justo, considerando-se que o valor exportado cresceu mais de 32% somente no ano passado e mais de do que dobrou em relação há cinco anos. Também é auspicioso o fato de o país ter superado a barreira de 100 bilhões de dólares no acumulado dos últimos doze meses, entrando com isso no seleto clube de 24 nações que exibem tal marca. O problema é que esses números surgem da comparação do Brasil de hoje com o próprio Brasil de alguns anos atrás. Basta colocá-los em perspectiva internacional para concluir que essa sucessão de recordes nacionais não passa de um desempenho nada mais que mediano. Vamos aos números. Em 1980, as exportações brasileiras eram de 20,1 bilhões de dólares. Esse valor correspondia a 1,17% do comércio internacional e superava em 15% as exportações coreanas, em cerca de 11% as vendas externas de México ou China, ou ainda em 56% as de Tailândia e 200% as da Malásia, para citar apenas alguns dos países emergentes do clube dos 24 acima mencionado. Em 2004, essa situação se inverteu: as exportações chinesas tornaram-se 6,2 vezes as do Brasil; as coreanas estão 2,5 vezes maiores; as mexicanas, o dobro; as da Malásia, 1,4 vezes; e as da Tailândia, iguais. Em termos absolutos, as exportações brasileiras em 2004 foram 23,3 bilhões de dólares maiores que as de 2003 e 48 bilhões de dólares maiores que as de 1999, enquanto na Coréia a expansão foi de 60 bilhões e 110 bilhões, respectivamente. Mesmo com os excelentes resultados conseguidos nos últimos anos, a participação brasileira na corrente de comércio mundial está agora em 1,06%, após ter atingido um máximo de 1,38% em 1984 e um mínimo de 0,84% em 1999. De passagem, nunca é demais repetir que o período em que o país mais marcou passo coincide com os anos áureos da abertura comercial brasileira, realizada na marra, sem estratégia, sem planejamento e sem política. Evidentemente, são muitas as explicações para esses resultados. Repleta que é de obstáculos que não foram removidos e de oportunidades que não foram aproveitadas, a história econômica brasileira contemporânea permite listar um sem-número de fatores, presentes ou ausentes, que justificam porque as exportações brasileiras não conseguiram acompanhar o ritmo de crescimento de outros países emergentes. A maioria dos analistas costuma se concentrar nos fatores ausentes: uma estrutura tributária que não penalize a produção, um mercado de capitais capaz de financiar o longo prazo, uma infra-estrutura eficiente, um sistema educacional de qualidade, uma política tecnológica competente, uma diplomacia comercial mais objetiva, reformas que não foram feitas, etc.

O que diferencia a taxa de câmbio no Brasil e em outros países emergentes não é tanto o seu nível, mas a sua enorme volatilidade

Todos esses pontos, e muitos mais, são inegavelmente relevantes. Porém, é necessário dedicar atenção também aos fatores presentes. Dentre esses, há um que novamente está na ordem do dia: a política de valorização cambial. Existem dois mecanismos distintos pelos quais o comportamento da taxa de câmbio pode afetar as exportações. O primeiro, mais imediato, é comandado pelo próprio nível da taxa: uma taxa de câmbio valorizada reduz a competitividade internacional da produção "made in Brazil" e deprime a rentabilidade das vendas ao exterior. Embora mais imediato, esse mecanismo não é instantâneo, pois é bem conhecida a "histerese" que aí funciona, ou seja, a defasagem temporal entre causa e efeito, que caracteriza a relação entre a taxa de câmbio e os fluxos de comércio exterior. Na prática, isso ocorre porque a produção já realizada permanece sendo comercializada, assim como os contratos de exportação mais longos, firmados quando as expectativas eram mais favoráveis, continuam sendo cumpridos. O segundo mecanismo depende não do nível, mas da volatilidade da taxa de câmbio. Esse é um mecanismo de longo prazo, pois afeta não somente as decisões de produção, mas, principalmente, as decisões de investimento em capacidade produtiva. Uma taxa de câmbio volátil afeta negativamente o investimento por intermédio da criação de incertezas não somente sobre os preços de exportação, mas também sobre as quantidades vendidas, sobre os custos de produção e sobre os encargos financeiros das dívidas contraídas para financiar a expansão. Muitos analistas estão reagindo com surpresa diante da aparente imunidade do desempenho comercial brasileiro frente à forte valorização cambial em curso. Embora já dure mais de seis meses, o fortalecimento do real ainda não se manifestou de forma visível sobre a trajetória das exportações, que continua batendo recordes em seqüência. Alguns, provavelmente, mais pessimistas, avaliam que isso se deve ao mercado internacional, que permanece aquecido, e ao ciclo ascendente de preços de commodities que, contrariamente às expectativas, ainda sobrevive. Outros, provavelmente mais otimistas e certamente mais precipitados, acham que a ausência de qualquer inflexão na trajetória das exportações sugere que o nível da taxa de câmbio não está tão valorizado e, acima de tudo, que se trata de uma prova definitiva de maturidade do empresariado brasileiro, que compreendeu, finalmente, a importância estratégica de conquistar e manter posições no mercado externo. Todo esse debate está circunscrito, de certa forma, ao primeiro mecanismo. Contudo, o que diferencia a taxa de câmbio no Brasil e em outros países emergentes não é tanto o seu nível, mas a sua enorme volatilidade. Hoje, o valor do câmbio para daqui a doze meses, para citar um prazo relativamente curto, é rigorosamente imprevisível. Se a volatilidade da taxa de câmbio tem realmente o poder de frear as decisões de investimento, poderá até ser possível manter os volumes atualmente exportados. Mas não haverá como percorrer o necessário processo de mudança estrutural em direção a produtos com maior conteúdo tecnológico, com maior dinamismo no comércio internacional e maior capacidade de encadear desenvolvimento das forças produtivas. Sem esses investimentos, o ímpeto exportador irá arrefecer e voltaremos à letargia de anos anteriores. Não reconhecer que a taxa de câmbio é um dos principais nutrientes do desempenho exportador é agredir os fatos. Diferentemente da conhecida fábula de Esopo, na corrida da competitividade internacional, as lebres não irão parar para descansar, cair no sono e permitir que a tartaruga, lenta porém persistente, venha a sair vitoriosa. Não há opção para a tartaruga que não acelerar o passo.