Título: Dólar volta aos idos de dezembro de 98
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2005, Finanças, p. C2

A permissão, por inação, dada ontem pelo Banco Central a que o dólar recuasse aquém de R$ 2,50 - uma barreira ao mesmo tempo psicológica e técnica que retira qualquer possibilidade de fundo do poço para a moeda - configura a radicalização das âncoras inflacionárias a disposição no arsenal neoclássico. O receituário conservador combate os preços em ascensão por meio do regime de metas, da apreciação cambial e dos megassuperávits fiscais. A primeira âncora foi esticada pelo BC até o limite. O juro real de 13% é o mais alto do mundo. E é justamente a rentabilidade real recorde oferecida aos especuladores e exportadores o que viabiliza a ancoragem cambial. O dólar afunda por causa dos recursos trazidos ao mercado à vista pelos exportadores, interessados em juros altos capazes de compensar os ganhos menores decorrentes da desvalorização da moeda, e pelos hedge funds, cujas operações, fechadas no mercado futuro, visam os 19,50% da Selic. O superávit fiscal informa ao mercado que o governo tem dinheiro para bancar as suas extravagâncias nas políticas monetária e cambial. O Banco Central de resultados ignora as virtuais conseqüências nefastas de longo prazo da radicalização das âncoras. Uma das piores é o crescimento explosivo da dívida pública interna, capaz de ameaçar a solvência macro e a credibilidade dos fundamentos. A maior parte da melhora dos fundamentos se ampara no esforço de redução da vulnerabilidade externa via megassaldos comerciais. Mas, na faixa de R$ 2,50, o dólar está hoje num preço mais baixo do que o praticado nos tempos de FHC. Em dezembro de 1998, um mês antes do malogro da âncora de Gustavo Franco, o dólar fechou a R$ 1,2087. Inflacionado pelo IPA (173,32%), excluída a inflação americana no atacado (PPI de 17,83%), o dólar teria de estar cotado hoje a R$ 2,8037, apenas para manter o poder de compra e venda que tinha quando, depreciado demais, gerou uma corrida especulativa contra o real. Para manter o poder de comercialização que passou a ter em janeiro de 1999, primeiro mês sem âncora cambial, de R$ 2,10, o dólar teria de ser negociado neste maio de 2005, seis anos depois, a R$ 4,80.

Âncora cambial não dispensa juro alto

Com o sinal verde dado ontem pelo Federal Reserve (Fed), o dólar também se enfraqueceu no mercado internacional. Os indícios fornecidos por ele de que persistirá elevando o juro básico americano em 0,25 ponto a cada reunião, favorecem operações internacionais destinadas a depreciar o dólar. O hedge da corrida contra o dólar é feita no Brasil. Se da Selic real de 13% for descontado o cupom cambial de 4%, sobram limpos 8,65%, um ganho irrecusável. Normalmente, os governos que seguem a cartilha neoclássica não costumam utilizar todo o seu estoque ao mesmo tempo. E, muito menos, radicalizando todos eles. Não é porque o governo Lula exagera na apreciação cambial que irá, no futuro, suavizar a dose do aperto monetário. A valorização do real não vem reduzindo as projeções de CDI no mercado futuro de juros da BM&F. O contrato para a virada do mês persistiu ontem nos mesmos 19,53% da véspera. E para a virada do semestre subiu de 19,62% para 19,63%. O pregão projeta para o final do ano CDI de 19,51%. Ou seja, há poucas chances este ano de a Selic voltar a cair. Os investidores de fora adoram austeridades monetárias e cambiais. O risco-país tombou ontem 3,29%, para 441 pontos-base.