Título: Lula e Kirchner vão se reunir para superar crise
Autor: Sergio Leo, Taciana Collet e Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2005, Brasil, p. A4

As recentes críticas de autoridades argentinas contra ações diplomáticas brasileiras já alcançaram um dos resultados pretendidos pelo presidente Néstor Kirchner, afirmam interlocutores do governo argentino. Ele chegará ao Brasil, na segunda-feira, para a reunião de Cúpula Países Árabes - América do Sul, merecendo atenção maior e, espera-se, deferências especiais por parte do governo brasileiro. Kirchner deve encontrar-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - embora ainda não esteja previsto oficialmente nenhum encontro bilateral - e os diplomatas brasileiros esperam encontrar, durante a visita do presidente argentino, oportunidade para discutir as diferenças entre os dois governos. Em entrevista à imprensa francesa, ontem, Lula confirmou a intenção de reunir-se com Kirchner, e afirmou, segundo relato dos jornalistas, que o atrito entre os dois países tem sido "superdimensionado" pelos jornais. O rumor de que Lula teria falado em "ciúmes" do Brasil por parte de Kirchner levou a assessoria do Palácio do Planalto a divulgar o trecho da entrevista em que o presidente respondia se a "ambição" do Brasil em conquistar uma vaga no Conselho de Segurança da ONU seria "um pouco perturbadora" para os vizinhos. "Quando um país como a Argentina não decide apoiar o Brasil, diz que quer pensar, eu acho normal", destacou. Lula teria afirmado que as eventuais diferenças entre os dois países não impedem uma relação "harmônica" no plano internacional. "Eu não posso gostar da Argentina (somente) se a Argentina fizer tudo que eu quero, e nem a Argentina pode gostar de mim se eu fizer tudo que eles querem, ou seja, nós temos que nos gostar porque o Brasil e a Argentina dependem um do outro." Em conversas reservadas, integrantes do governo argentino minimizam o papel das questões políticas nas desavenças expostas em declarações dos argentinos à imprensa. A falta de avanços nas discussões do Mercosul estaria por trás do desconforto crescente da Argentina, garantem subordinados do chanceler argentino Rafael Bielsa. Bielsa já lembrou publicamente que o Brasil não deu até hoje resposta considerada satisfatória para as demandas apresentadas há oito meses, pelo ministro da Fazenda do país, Roberto Lavagna. Lavagna pediu a criação de um mecanismo de salvaguardas automático para casos de aumento súbito de importações. O governo brasileiro argumenta ter recebido sinais dos argentinos de que a resposta informal dada a Lavagna seria satisfatória, com a promessa de criação de salvaguardas não-automáticas no Mercosul baseadas nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e um código genérico de conduta para investidores estrangeiros. No governo brasileiro, embora as declarações oficiais ressaltem a necessidade de promover maior integração econômica, há grande convicção de que fatores de política interna influem no tom das afirmações da equipe de Kirchner, que enfrenta, neste ano, importantes eleições legislativas. Artigos publicados ontem pela imprensa argentina deram a entender que a repercussão do episódio foi maior que a desejada pelo presidente Kirchner. "A tensão entre os países chegou a um extremo que o presidente não desejava nesse momento", escreveu o colunista político do jornal "Clarín", Eduardo van der Kooy, um dos jornalistas com mais acesso a Kirchner. Ele acrescentou que o presidente chegou a repreender Bielsa pelo telefone.