Título: ONU faz análise da Justiça no país
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2004, Legislação, p. E-1

Representante do órgão defende poder de investigação do Ministério Público

O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre independência de juízes e advogados, Leandro Despouy, é favorável à liberdade do Ministério Público (MP) de fazer investigações criminais. Em um encontro com procuradores e promotores, o representante da ONU demonstrou estranheza sobre a situação vivida pelo MP no Brasil. Isso porque tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação contra o poder investigatório da instituição. "Ele deixou claro que a tendência dos países desenvolvidos é que o MP esteja à frente das investigações", disse o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), João de Deus Duarte. O procurador encaminhou a Despouy um pacote de manifestações de repúdio à possibilidade do STF de tirar as prerrogativas do MP. "Eles se surpreendeu com a situação vivida pelo Ministério Público brasileiro", afirmou Duarte. O relator argentino está no Brasil por recomendação feita pela ex-relatora especial da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, Asma Jahangir. Ela esteve no Brasil em outubro do ano passado e deixou o país fazendo duras críticas à Justiça nacional. A possibilidade de visita de um observador da ONU para o Judiciário provocou a ira do ex-presidente do STF, Maurício Corrêa. "Ela está desinformada, não conhece o Poder Judiciário brasileiro. Se há um desvio de conduta de um juiz ou outro ou atraso no julgamento de um processo, isso existe em qualquer ramo de atividade da sociedade brasileira", disse o ex-ministro à época. Ele chegou a recomendar aos magistrados brasileiros que não recebessem no país um possível enviado das Nações Unidas. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) à época, ministro Nilson Naves, foi ainda mais ríspido. "Tal atitude é descabida e configura ingerência no Poder Judiciário", disse logo depois da declaração da representante da ONU. Despouy, no entanto, acredita que as resistências terminaram. "Hoje o clima é extremamente positivo. Tenho a convicção que não vai suceder isso. Tive contatos prévios com algumas autoridades e todos viram positivamente a minha visita. Nunca nenhum país se opôs à minha vida ou teve atitudes agressivas", declarou o relator. E completou: "O Brasil é um país importante no mundo e aberto. É um país que proclama uma presença internacional e todos os poderes devem estar abertos. O Brasil foi visitado por todos os relatores especiais e a maioria deles recomendou a minha vinda ao país." Além de encontrar-se com o presidente da Conamp, Despouy esteve com o secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault, à tarde. No início da noite, o representante da ONU esteve com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, com o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e com o secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa. O relator encontrou-se também com a defensora pública geral da União, Anne Elizabeth Nunes. Hoje, Despouy encontra-se com representantes da sociedade civil, com o deputado federal Luiz Couto (PT-RJ) e com o secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda. À noite, o relator segue para São Paulo. O representante da ONU visitará também Porto Alegre, Recife e Belém. "Pretendo conhecer a estrutura do Poder Judiciário, mas não somente em laboratório: tenho de visitar a realidade", disse ontem. Despouy fará um relatório sobre a Justiça brasileira a ser entregue à comissão de direitos humanos da ONU até abril de 2005.