Título: Tanque cheio
Autor: Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2004, Eu & Investimentos, p. D-1

Um assunto cada vez mais corriqueiro entre os aplicadores, mesmo de pequeno porte, é a cotação do barril do petróleo e seu impacto nos preços das ações do mercado brasileiro, especialmente as da Petrobras. O consenso no mercado é de que os preços internos dos combustíveis - especialmente óleo diesel e gasolina - estão defasados. A questão é quando virá o reajuste que, se aumenta as despesas dos consumidores, evita prejuízos para os acionistas, boa parte deles trabalhadores que aplicaram seu fundo de garantia (FGTS) nos papéis da estatal. Sem uma definição clara da política de reajuste da empresa, as ações ficam sujeitas a fortes flutuações, como as de ontem, quando o papel ordinário (com direito a voto) caiu 5,57% em um único dia, anulando todo o ganho do mês, passando a registrar perda de 1,07% em outubro. Os papéis preferenciais recuaram 3,92% no dia, reduzindo o ganho no mês para 1,17%. Mesmo assim, as ações preferenciais, mais negociadas, acumulavam no ano alta de 27,71% até ontem, e as ordinárias, de 24,99%, reflexo da alta do petróleo. O movimento dos papéis da Petrobras acaba influenciando toda a bolsa e ajudou o Índice Bovespa a encerrar o dia também em queda, de 3,41%. Mas como as expectativas de resultados ainda são positivas para a estatal, corretoras locais e estrangeiras aproveitam o momento para revisar para cima suas projeções, com a deixa dada pela safra de balanços do terceiro trimestre. No início do mês, as ações subiram com a elevação de preço justo estimado pela corretora americana Merrill Lynch, de US$ 38 para US$ 45 por ADR - recibo de ações negociado na Bolsa de Nova York. Cada ADR equivale a uma ação, PN ou ON, negociada aqui. Com o dólar a R$ 2,84 do fechamento de ontem, a projeção corresponde a uma cotação de R$ 127,80 aqui, ainda bastante acima dos R$ 91,62 das preferenciais e dos R$ 99,45 das ordinárias no fim dos negócios da quarta-feira. Os preços dos papéis no Brasil e no exterior tendem sempre a se equilibrar. O analista Emerson Leite, do Credit Suisse First Boston, é ainda mais otimista. Ele projeta uma cotação de US$ 52 para os recibos. Embora ache difícil prever quando o aumento dos combustíveis virá, ele o considera inevitável. "Ao longo de 2003 e até a metade desse ano, na média, os preços da Petrobras têm convergência com os preços internacionais", diz. Ele explica que é "na média" porque, no início do ano, com o último reajuste, a Petrobras esteve com preços mais elevados do que os do exterior. Ele acha que o atraso no ajuste, tanto para cima quanto para baixo, é negativo. "Seria melhor um acompanhamento de curto prazo", diz. "O petróleo é uma commodity de natureza volátil e não dá para mudar isso", avalia. Para o analista, no entanto, o principal fator para o bom desempenho das ações no ano é a expectativa de crescimento da produção. "Antes, o mercado acreditava que haveria atrasos nas entregas, mas isso se reverteu." Um dos fatores que estaria retardando o reajuste dos preços dos combustíveis é a preocupação do governo com a sua imagem para as eleições municipais, avalia Oswaldo Telles, analista do Banif Investment Banking. Mas ele lembra que os resultados da Petrobras influenciam também o superávit primário do governo federal. Ou seja, o aumento interessa ao próprio governo. A expectativa de Telles é de que o petróleo esteja próximo do seu preço máximo, a partir do qual deve se estabilizar e depois cair. Ontem, o barril negociado em Nova York para novembro fechou em US$ 53,64. "É uma hora boa para se alinhar com preços externos." Apesar da ainda presente interferência política, a manutenção dos preços contraria até mesmo as projeções do Banco Central, lembra o analista. Na ata do Comitê de Política Monetária (Copom), a instituição projeta um aumento de 9,5% dos combustíveis. "É o dobro do que foi dado até agora", diz. Na conta de Telles, um aumento de 5% para os consumidores não seria tão elevado, mas representaria já um ganho de 10% para petrolífera no refino da commodity. Ele lembra que outros produtos vendidos pela Petrobras, como a querosene de aviação e a nafta, estão alinhados com os valores internacionais. Para o analista José Francisco Cataldo, da ABN Amro Real Corretora, mesmo que os reajustes da gasolina e do diesel ocorram agora, não haverá impacto nas projeções de preços das ações, que levam em conta o prazo de 12 meses, em geral. "Mas as ações estão subindo muito por essa expectativa." Ele avalia como preço justo o de R$ 126 para cada ação ordinária ou preferencial, utilizando o padrão das corretoras estrangeiras, que costumam dar apenas um preço. A falta de reajuste do petróleo no mercado local acaba prejudicando as poucas concorrentes da Petrobras, como a refinaria Ipiranga e sua distribuidora, ambas empresas abertas, com ações negociadas em bolsa. "Em teoria, o monopólio da Petrobras acabou, mas não há uma regra de mercado clara para quem compra petróleo e vende derivados e, mantendo preços baixos, a estatal prejudica quem tenta competir", diz um analista que não quis ser identificado. "Uma saída, proposta pela própria Petrobras, seria alugar a planta da Ipiranga para o refino, é o mínimo", diz. A maioria dos analistas coloca os papéis da Ipiranga em revisão, aguardando a definição do reajuste ou do aluguel das refinarias. Em teoria, uma alternativa para os grandes consumidores de derivados de petróleo - a indústria, de modo geral - escaparem da disparada do barril no exterior seria a troca pelo gás natural, que beneficiaria empresas distribuidoras como a Comgás e a Ultrapar. No entanto, o setor ainda é pouco competitivo e muito ligado ao petróleo, na avaliação de analistas. Cataldo, do ABN, lembra que a própria Petrobras é uma investidora do segmento, portanto se beneficiaria também se os consumidores trocassem o petróleo. A estatal trabalha com uma projeção de crescimento de 14% ao ano na produção de gás. Dos US$ 53,6 bilhões de dólares que a empresa pretende investir até 2010, segundo ele, 11% irão para "gás e energia", perdendo em prioridade apenas para a extração de petróleo, que deverá ter 60% dos investimentos previstos. No início do mês, a Petrobras anunciou a compra de parte do capital da distribuidora CEG Rio. Segundo levantamento do Banco Brascan, a aquisição correspondeu a 12,4% do capital da energética, do qual a petrolífera já tinha 25%. Relatório da instituição enviado a seus clientes destaca ainda a compra de 40% da Gasmig pela Petrobras em agosto, "faltando agora somente a empresa fincar o pé (no mercado de gás) em São Paulo". O analista Gilberto Pereira de Souza, da Itaú Corretora, considera cedo para empresas decidirem trocar a chamada "matriz energética". "Nenhuma empresa faz conta com barril em torno US$ 50", diz. Para ele, a decisão de migrar para o gás natural é de longo prazo. A valorização dos papéis da Petrobras no ano faz os fundos de privatização de FGTS renderem 32,31% até o dia 8, superando os demais fundos de investimento, segundo o site Fortuna. No mês, a variação era de 2,41% até a data. Esse valor deve ser reduzido com as quedas de ontem, mas mesmo assim está bem acima do pago pelo fundo, de TR mais 3% ao ano. A caderneta de poupança, que paga TR mais 6%, acumula 6,65% até outubro.