Título: Britânicos votam por continuidade econômica
Autor: Vitor Paolozzi
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2005, Internacional, p. A13

A menos que todos os institutos de pesquisa britânicos estejam errados, Tony Blair vai hoje entrar para a história como o primeiro líder trabalhista a conquistar três mandatos consecutivos à frente do Executivo do Reino Unido. Apesar de estar com sua popularidade bastante arranhada, o primeiro-ministro tem a seu favor o bom desempenho da economia do país e a prolongada crise atravessada pelos rivais do Partido Conservador. Na semana passada, o líder dos conservadores, Michael Howard, atacou Blair dizendo que o premiê mentiu ao país para justificar a decisão de invadir o Iraque. A grave acusação encontra algum respaldo na opinião pública: segundo uma pesquisa do instituto YouGov, 62% dos entrevistados disseram não confiar em Blair. O problema dos conservadores, sem um líder de expressão desde que a dama-de-ferro Margaret Thatcher saiu de Downing Street em 1990, é que a imagem de Howard diante dos britânicos é ainda pior: a mesma pesquisa disse que ele não tem a confiança de 66% dos britânicos. A situação é tão desalentadora que, na semana passada, Howard definiu a situação de seu partido como "perdendo de 2 a 0, no intervalo do jogo". Ontem, o jornal "The Times" publicou pesquisa que coloca os trabalhistas com 41% das intenções de voto, contra 27% para os conservadores e 23% para os democratas liberais (com margem de erro de 3 pontos percentuais). Outras pesquisas apontam a liderança dos trabalhistas com vantagens que variam entre 3 e 10 pontos. A vitória dos conservadores hoje é ainda mais improvável em função das características do sistema eleitoral britânico. O novo Parlamento será formado pelos candidatos que receberem mais votos em cada um dos 646 distritos em que o país foi dividido. Esses distritos têm populações desiguais e como os trabalhistas dominam regiões com menor número de eleitores, analistas calculam que, para estar em condições de poder indicar o próximo premiê, os conservadores precisariam ter uma dianteira nas pesquisas em torno de 10 pontos percentuais. Com esse quadro favorável, a grande discussão passou a girar em torno do tamanho da maioria trabalhista no Parlamento (atualmente é de 160 cadeiras). Paul Whiteley, da Universidade de Essex e autor de "New Labour Grassroots - The Transformation of the Labour Party Membership" (As raízes do novo trabalhismo - a transformação dos filiados ao Partido Trabalhista), acredita que ela irá diminuir, mas continuará bastante confortável. "Os trabalhistas terão uma ampla maioria depois das eleições, provavelmente entre 70 e 100 assentos", disse ao Valor. Assim como nos EUA, o tema que dominou a campanha foi a Guerra do Iraque. E, do mesmo jeito que os democratas não conseguiram tirar votos de George W. Bush explorando as mortes de soldados e o caos instalado no Iraque após a queda de Saddam Hussein, Blair aparentemente também não será punido pela criticada campanha militar no Oriente Médio. A campanha trabalhista tentou colocar a guerra em segundo plano e procurou enfatizar o vigor da economia britânica: "Estabilidade econômica. Se você a valoriza, vote nela", dizia um dos anúncios. Já o slogan dos conservadores - um bastante vago "Você está pensando o que nós estamos pensando?" - ilustra a falta de rumo do partido desde que foi para a oposição. Com suas principais bandeiras "roubadas" por Blair (que moveu-se para o centro, ou até mesmo para a direita, segundo críticos, em questões como impostos e combate ao crime), os conservadores ficaram sem grandes temas para atrair eleitores e acabaram centrando seu discurso no endurecimento das barreiras à imigração. Quase sinônimo de crises econômicas no passado, ao assumirem o poder em 1997 Blair e os trabalhistas surpreenderam o mercado financeiro. A concessão de autonomia ao Banco da Inglaterra permitiu um firme controle da política monetária e o aumento de gastos públicos e cortes de impostos resultaram no crescimento econômico britânico num período em que outras nações ricas lutavam contra a estagnação. Entre 1997 e 2004, com expansão contínua e inflação em baixa, o país teve a economia mais estável do G-7. Mas muitos analistas acreditam que a economia britânica pode estar chegando a uma fase de dificuldades. Além do desaquecimento econômico global, devido ao petróleo, há temores de que os altos gastos públicos promovidos pelos trabalhistas tenha gerado um "buraco negro", que para ser eliminado venha a obrigar o governo a promover aumentos de impostos. Anteontem, a Confederação da Indústria Britânica anunciou que o seu índice de vendas no varejo teve a sua maior queda desde 1992. Um outro levantamento, feito pela NTC Research, apontou que a indústria manufatureira contraiu-se pela primeira vez em dois anos. Mesmo com essas nuvens sobre a economia, Whiteley, da Universidade de Essex, não espera mudanças profundas no provável novo governo de Blair: "Acredito que a política econômica vai permanecer sem grandes alterações. Esse chamado 'buraco negro' na política fiscal talvez não seja tão grande assim. O Tesouro acredita que será menor do que o calculado pelo FMI e suas previsões tem sido muito precisas nos últimos anos. Mesmo em caso contrário, no entanto, o rombo será coberto com uma combinação de cortes e aumentos de impostos, já que parece-me improvável que [o ministro da Economia] Gordon Brown vá abdicar de sua reputação de prudência financeira."