Título: Como o BNDES contribui para o desenvolvimento financeiro
Autor: Carlos Kawall Leal Ferreira
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2005, Opinião, p. A14

O recente (e bem-vindo) debate sobre o papel do BNDES e o uso dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) tem sido caracterizado por teses que partem do pressuposto de que os recursos do BNDES seriam pouco relevantes para financiar os investimentos e/ou que poderiam ser mais bem alocados pelo sistema bancário privado. Parte-se da hipótese de que "não há comprovação de que o BNDES cumpriu papel relevante no desenvolvimento econômico brasileiro", cobrando-se dele o ônus da prova. Em seguida, propõe-se que o montante de recursos alocado pelo FAT ao BNDES seja comparado com usos alternativos, como gastos em educação ou abatimento da dívida pública. O autor deste artigo também gostaria que o Brasil tivesse um sistema educacional mais eficiente. Melhor ainda se essa maior eficiência ocorresse em contexto de queda da dívida pública. Mas a questão anterior a essa é saber se o papel do BNDES é ou não relevante. Como seus críticos assumem, por hipótese, que o banco não tem papel algum (pois isto "não foi provado"), seria até dispensável analisar usos alternativos para o FAT, já que se atribui valor próximo a "zero" o seu uso pelo BNDES. A conclusão a que se quer chegar já está, assim, embutida na hipótese inicial. Algo como um jogo que é ganho por "w.o.", sem que o time entre em campo. Há claramente uma questão metodológica não trivial de como tratar ou mensurar o papel exercido pelo BNDES no desenvolvimento brasileiro. Como contribuição inicial, propomos que o BNDES seja avaliado em relação ao "grau de desenvolvimento financeiro" da economia brasileira. Este conceito aparece na teoria econômica não apenas nos escritos de autores ditos heterodoxos, como Schumpeter e Keynes, mas no próprio "mainstream" do pensamento econômico a partir de Gurley e Shaw (autores norte-americanos), que desenvolveram a "teoria da intermediação financeira" nos idos dos anos 60. Gurley e Shaw abriram espaço para que considerações ligadas ao gerenciamento de riscos e economias de escala fossem utilizadas para justificar a existência de intermediários financeiros. Isso permitiu que o grau de desenvolvimento financeiro (bem como políticas que levassem a ele) passasse a ser incorporado (no "mainstream") como variável explicativa do desenvolvimento econômico. A teoria de ambos foi contestada pelo chamado teorema de Modigliani-Miller, que em síntese defende a irrelevância da função financeira.

O banco sempre operou para atenuar o racionamento de crédito no sistema financeiro brasileiro

A teoria de Gurley e Shaw e a influência de Keynes propiciaram vários desdobramentos nas décadas seguintes, destacando-se a teoria do racionamento de crédito (Stiglitz e Weiss), a partir do conceito de assimetrias de informação. Simplificadamente, a assimetria de informação leva a que os bancos normalmente racionem o crédito em detrimento de operações com maior risco ou em relação às quais haja menor grau de informação. Este veio teórico permite uma justificativa para a existência das "instituições especiais de crédito", instituições financeiras em geral públicas que contam com "funding" especial ou garantias públicas no intuito de apoiar segmentos específicos em que há menos envolvimento do mercado (como crédito habitacional, micro e pequena empresa, exportação, risco tecnológico) mesmo em países como os EUA. Não obstante a sofisticação operacional do sistema financeiro brasileiro, nosso grau de desenvolvimento financeiro é sabidamente pobre, com baixa participação do crédito do setor privado no PIB. O mercado de capitais, ainda que em momento positivo, é incipiente, com um movimento de debêntures praticamente inexistente (se descontado o financiamento bancário velado). O BNDES, pode-se dizer, foi sempre a força que contribuiu para atenuar o racionamento de crédito existente no sistema financeiro brasileiro, atuando como parceiro dos bancos (via segunda linha) e fomentador do mercado de capitais. Teve atuação pioneira em produtos como o capital de risco ("venture capital"), debêntures conversíveis e, mais recentemente, no lançamento do primeiro "exchange traded fund" do país, o PIBB, entre outras iniciativas. Ao lado de sua função financeira, o BNDES foi sempre gerador de idéias e de conhecimento relativo aos diversos setores da economia brasileira, sendo assim instituição que contribuiu para reduzir as "assimetrias de informação" a respeito. Não é por outro motivo que gestores de fundos e profissionais do mercado de capitais vêm insistentemente pleiteando o retorno do BNDES ao fomento do setor, requerendo ao banco seu selo de qualidade a produtos inovadores (FIDCs, FIPs). A propósito, nada menos que sete funcionários de carreira do banco chamados deselegantemente de "burocratas de plantão" por uma colunista exercem ou já exerceram funções de direção na CVM. É possível desenvolver estudo quantitativo e qualitativo para avaliar esta participação do BNDES ao longo das últimas décadas. Por sua vez, ao reforçar a atuação da instituição no mercado de capitais e em outros segmentos (PPPs, exportação, securitização, microcrédito, intangíveis, entre outros) a nova diretoria do BNDES busca manter a tradição do banco em fortalecer o desenvolvimento financeiro brasileiro, respeitada a responsabilidade fiscal e com foco no financiamento do setor privado e no desenvolvimento da governança corporativa.