Título: Acordo de países permite avanço em Doha
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2005, Especial, p. A16

A União Européia (EU) cedeu e a mini-conferencia de ministros de comércio aprovou ontem um acordo na área agrícola que permitirá o inicio de verdadeiras negociações sobre acesso ao mercado tanto na agricultura como para produtos industriais e serviços na Rodada Doha. O Brasil e outros exportadores agrícolas consideraram satisfatório o entendimento. O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que agora o Brasil terá motivação para trocar concessões nas negociações de produtos industriais e serviços, que são de especial interesse das nações ricas. Já representantes europeus explicavam que evitaram um novo fiasco na já combalida rodada de liberalização da Organização Mundial do Comércio (OMC). "Não me desculpo por aceitar um compromisso que julgo correto", declarou o comissário europeu de comércio, Peter Mandelson. "Fiz isso porque precisamos continuar com a Rodada, trazer soluções, injetar confiança na negociação, senão ela seria paralisada", afirmou. O que exportadores e importadores concordaram foi em relação à metodologia que será adotada para transformar tarifas específicas (em dólar ou euro, por exemplo) em tarifas ad valorem (em percentual do preço), para deixar claro qual o nível de proteção de cada produto agrícola. O que esta discussão revela é a assimetria de informação na negociação agrícola. Os europeus e americanos sabem qual é a tarifa brasileira de qualquer produto, porque são todas em percentual do preço ("ad valorem"). Já UE, Suiça, Japão e Noruega, entre outros, escondem o nível de proteção dado a seus produtores cobrando tarifas em valores, como, por exemplo, os 3 mil euros por tonelada de carne bovina, sem que se saiba o que isso representa em percentagem. Para negociar a forma de redução tarifária e as bandas (os percentuais que serão aplicados sobre diferentes grupos de tarifas), era necessário fazer a conversão das alíquotas específicas em percentuais de preços. Só que essa discussão técnica virou um enorme confronto, pela implicação que terá no futuro estágio da negociação. Depois de resistir, recuar e apresentar outras propostas, a UE ontem cedo colocou na mesa uma proposta que levou ao acordo. O resultado final aprovado pelos cerca de 30 países representados em Paris foi o seguinte: na conversão das tarifas específicas envolvendo commodities (até o capitulo 17 do código aduaneiro harmonizado), será adotado um preço composto por 82,5% do preço internacional e 17,5% do preço de importação. Para os produtos processados (capítulos de 18 a 24) a equivalência será na base de 60/40, porque é pequena a diferença entre o preço internacional e o de importação. ´´É uma mistura razoável que se aproxima dos preços do Mercosul e favorece nossos exportadores´´, avalia o ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna. O açúcar, produto de especial interesse do Brasil, é o único produto que terá conversão calculada inteiramente por um preço internacional, mas falta definir qual deles. Isso ficou em aberto para aplacar o lobby dos produtores de açúcar americanos. Eles querem ter certeza de que será usado o mesmo índice de preços para todo mundo. Ocorre que para o açúcar refinado, o preço normalmente levado em conta é dado pela bolsa de Londres, porque tem o açúcar de beterraba europeu, e o preço do bruto pela bolsa de Nova York. Mas a comissária européia de agricultura, Marianne Fischer Boel, procurou tranqüilizar os produtores europeus. "A EU ainda tem possibilidade de proteger produtos sensíveis", avisou. Produtos sensíveis são justamente os de maior interesse do Brasil como carnes, açúcar, tabaco, e a UE quer reduzir ao mínimo suas tarifas. Negociadores dizem que o Brasil entrou nessa negociação com muito conhecimento técnico e foi por isso que Amorim ficou até o fim na mesa, pressionando por um acordo. Um exemplo é a ultima linha do acordo: o Brasil conseguiu colocar uma espécie de segurança para evitar que enormes tarifas acabem caindo numa banda de redução menor. Por exemplo, entre duas bandas na formula tarifária, de 90% e 50%, uma tarifa de 88% vai ser cortada com base no acerto da primeira (90%), o que for maior. Com o acordo de ontem, agora aumentará a pressão para o Brasil fazer ofertas mais substanciais de acesso ao mercado brasileiro para fornecedores estrangeiros de produtos industriais e de serviços. A UE e os EUA imediatamente falaram em ´´alto nível de ambição´´. Mas no meio da enchente de declarações otimistas após um acordo, mesmo pequeno, havia também o sinal de alerta: se um tema supostamente técnico demorou quatro meses para ser resolvido, quanto tempo vai demorar a definição da fórmula que vai realmente reduzir as tarifas agrícolas? A intenção dos países-membros é concluir a Rodada Doha em 2006.