Título: O PT abandonou seu plano econômico?
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Brasil, p. A-2

O que está dando errado na política econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? O país está crescendo e pode encerrar 2004 com um Produto Interno Bruto (PIB) 5% maior, o saldo comercial será absolutamente recorde (perto de US$ 30 bilhões), a relação entre a dívida pública e o PIB vai cair quase quatro pontos percentuais depois dos 58% de 2003, o risco-país flutua em torno de 460 pontos e o emprego está crescendo, especialmente no interior. Até setembro, foram 1,2 milhão de novas vagas no mercado formal de trabalho. Até aqui, há muito para comemorar. Ontem mesmo, contudo, o presidente Lula deve ter sido informado do estudo divulgado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O trabalho mostra que, ao contrário de todos os planos e promessas do Partido dos Trabalhadores (PT), a miséria, e por consequência a fome, aumentou no primeiro ano do governo Lula. Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o levantamento mostra que a parcela da população que não ganha o suficiente para comer aumentou em 1,6 milhão de pessoas, aproximadamente. Ela passou de 26% em 2002 para 27% no ano passado. Isso é o mesmo que dizer que em 2003, 47,4 milhões de brasileiros não tiveram dinheiro suficiente para comprar a cesta de alimentos que garante o consumo diário de 2.888 calorias, nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Não há sinais de que o crescimento de 2004 tenha revertido essa situação e esteja ocorrendo com distribuição de renda. Pelo contrário: a renda ainda patina e cai mais entre aqueles com salários mais baixos. Em agosto, pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio real dos ocupados foi 0,9% menor que o do mesmo mês do ano passado. Para os trabalhadores sem carteira- cujo rendimento já é quase 40% inferior ao do empregado com carteira -, a queda foi ainda mais forte: 2,9%. Na campanha de 2002, o então coordenador do programa de governo de Lula, o hoje ministro da Fazenda Antonio Palocci, desenhava dois caminhos simultâneos para o crescimento do país: exportações e maior inclusão social. O PT queria potencializar o superávit comercial de US$ 10 bilhões de 2002. Isso aconteceu, embora a parcela mais expressiva do salto das exportações não deve ser creditada à política econômica e sim às opções definitivas das empresas pelo mercado externo. A estabilidade macroeconômica, há que se reconhecer, é fundamental para que as companhias tracem planos para o futuro, entre eles o de novas plataformas de exportação. Mas sem mercado interno, o interesse cai e planos de ampliação ficam menos ambiciosos. Simples assim.

Número de miseráveis cresceu1,6 milhão

Palocci defendia, em outubro de 2002, o apoio a setores exportadores e ênfase em negociações internacionais de caráter bilateral. Nada disso, na prática, aconteceu. O país não fechou em 2003 e até agora, em 2004, nenhum acordo bilateral de vulto, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e o acordo com a União Européia ainda não saíram do papel e a política industrial virou carta de boas intenções. Em março, o governo anunciou que R$ 14 bilhões seriam liberados dentro deste programa em 2004. Quem viu? A segunda perna do crescimento no projeto petista era melhor distribuição de renda e inclusão social. O estudo divulgado ontem pela FGV mostra que ocorreu um retrocesso, com aumento da miséria e da fome. Talvez os dados da balança comercial indiquem que o apoio ao setor exportador realmente não era necessário, pois mesmo com um câmbio inferior a R$ 3,0 as vendas externas continuam em alta. Se essa parte do plano foi dispensável, o mesmo não se pode dizer de políticas concretas de distribuição de renda e estímulo ao mercado interno. O fato é que nenhum dos dois caminhos desenhados por Palocci foi adotado. Então, qual a política econômica do governo Lula? Câmbio flutuante (porém apreciado para ajudar a inflação), austeridade fiscal e sistema inflexível de metas de inflação. Em outras palavras? Estabilidade. Não é pouco, mas os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso mostram que esse tripé foi insuficiente para um país com a complexidade e a carência do Brasil. Nos oito anos do comando tucano, o país cresceu a uma taxa média anual de 2,32% e conviveu com uma inflação média de 9,1% ao ano, considerando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que serve de referência ao sistema de metas de inflação. Mesmo que o país cresça este ano os 5,0% das estimativas mais otimistas, na média os primeiros dois anos do governo petista terão, apenas, repetido o padrão do período 1995-2002, pois o país passou, em 2003, por uma contração de 0,2% no PIB. A inflação, por sua vez, ficará perto de 8,0% na média de 2003 e 2004. Se o ano de 2005 trouxer um crescimento como o esperado (próximo ou mesmo superior a 3,5% do PIB), as estatísticas do PT podem ficar melhores que as do PSDB. Os sinais, contudo, são de que o Banco Central agirá para conter o ritmo acelerado da atividade econômica. E aí farão falta os planos abandonados do PT. Mais uma vez, a política econômica será, tão somente, a gestão da taxa de juros.