Título: Ata dos derrotados indica alta dos juros
Autor: Otoni, Luciana
Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2010, Economia, p. 9

Política monetária

Documento escrito por Mário Mesquita, Aldo Luiz Mendes e Carlos Hamilton deixa claro que aperto em abril começará em 0,75 ponto percentual, com a taxa Selic passando de 8,75% para 9,50%. Meta será evitar o descontrole inflacionário

Se ainda restava alguma dúvida sobre o aumento dos juros (Selic) em abril, ela foi totalmente enterrada ontem pela ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central referente à reunião do último dia 17, na qual a taxa básica foi mantida em 8,75% ao ano. O documento, escrito pelos três diretores derrotados que votaram pela alta de 0,5 ponto percentual, é explícito quanto aos riscos de a inflação deste ano e de 2011 saírem do controle e se distanciarem perigosamente do centro da meta, de 4,5%, definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para Mário Mesquita (diretor de Política Econômica), Carlos Hamilton (Assuntos Internacionais) e Aldo Luiz Mendes (Política Monetária), os aumentos de preços estão se disseminando pela economia, contaminando as expectativas dos agentes de mercado. A fatura do atraso do início do aperto monetário será uma elevação mais forte da Selic na reunião marcada para 28 de abril: em vez de 0,5 ponto, o ajuste terá de ser de pelo menos 0,75 ponto.

No texto, o Copom chamou a atenção para o fato de a inflação acumulada apenas nos dois primeiros meses do ano ter batido em 1,54% (0,5 ponto percentual acima do registrado em igual período de 2009), um terço do centro da meta. Além disso, o nível de utilização da capacidade instalada subiu para 83,1% na indústria da transformação (6,1 ponto percentual maior que o verificado em fevereiro do ano passado), explicitando o risco de repasse de custos para o consumidor. Quanto maior é o uso da capacidade instalada, maior é a chance de faltar produtos em um quadro de demanda superaquecida, como agora. Com renda em alta e emprego garantido, os trabalhadores não se furtam em pagar mais caro pelo que estão comprando.

Apesar de todos esses alertas, cinco dos oito integrantes do Copom optaram pela manutenção da taxa Selic. Mas as circunstâncias atuais, de piora acentuada do quadro inflacionário, indicam que o BC não mais poderá fechar os olhos. Nem mesmo o fim dos incentivos fiscais dados pelo governo no auge da crise mundial deve aliviar o consumo. Por isso, as apostas gerais são de que o arrocho virá no mês que vem, independentemente de quem vier a substituir o presidente do BC, Henrique Meirelles, que deixará o posto para se candidatar a um cargo político, e Mário Mesquita, que já entregou seu pedido de demissão.

Explícita Na avaliação do mercado, o Copom publicou um documento em tom duro e com uma mensagem clara de alta em abril. Por isso, a aposta de que o processo de aumento da Selic começará a partir de 0,75 ponto e não mais de 0,50 ponto. Raramente, a ata do Copom é tão explícita em relação a um aumento de juros como esta última, disse o estrategista-chefe do Banco WestLB, Roberto Padovani. Foi uma ata que já define uma alta, ressaltou. Para ele, a informação mais relevante está no parágrafo 30 da ata: Também houve consenso entre os membros do Comitê quanto à necessidade de se adequar o ritmo do ajuste da taxa básica de juros à evolução do cenário inflacionário prospectivo, bem como ao correspondente balanço de riscos, de forma a limitar os impactos causados pelo comportamento da inflação corrente sobre a dinâmica subjacente dos preços. Segundo Padovani, esse trecho indica que, na reunião de abril, o Copom optará por iniciar o ajuste com uma elevação de 0,75 ponto.

A mesma ressalva foi feita pelo economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles. O Copom reconhece, de forma nítida, a necessidade de aperto na política monetária para adequar a demanda à oferta e reduzir a pressão sobre os preços em uma conjuntura em que os investimentos ainda não se materializaram a ponto de ampliar a capacidade instalada do setor produtivo, frisou.

O número 1,54% Aumento de preços acumulado em janeiro e fevereiro, um terço da meta do governo

Tombini fará ajuste

O processo de aumento da taxa básica de juros (Selic) será comandado pelo próximo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, hoje diretor de Normas. Ele foi o escolhido pelo presidente Lula para sucessor de Henrique Meirelles, que deixará o cargo em 31 de março para se candidatar a um cargo político, a princípio o Senado pelo PMDB de Goiás, mas de olho na vaga de vice da chapa de Dilma Rousseff para o Palácio do Planalto. Não haverá nenhum trauma na condução da política monetária com a troca de Meirelles por Tombini. A alta dos juros vai acontecer porque é necessária, disse um integrante do governo.

Na opinião da economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif, é certo que a alta dos juros virá independentemente de quem assumir a Presidência do BC. Ela não acredita, porém, que o Comitê de Política Monetária (Copom) pesará a mão na elevação da Selic, como aposta boa parte do mercado. Dar 0,75 ponto de aumento em abril será incoerente diante da opção de não ter feito 0,50 em março, afirmou. A seu ver, o cenário poderá ficar menos nebuloso nos próximos dias, depois da divulgação do Relatório Trimestral de Inflação. Nele, o Banco Central apresentará novas projeções para a inflação em 2010 e em 2011 e fornecerá mais elementos para a análise do encontro do Copom de 28 de abril.

Segundo o economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles, a decisão do comitê de incluir na ata divulgada ontem o trecho adequar o ritmo do ajuste à evolução do cenário inflacionário fará o mercado considerar a possibilidade de aumento mais forte na taxa Selic. A ata amplia a probabilidade de um movimento de 0,75 ponto, disse. Ao iniciar o ajuste em abril, e considerando os efeitos defasados de mudanças na política monetária, o BC estará mirando mais o cumprimento da meta de inflação de 4,5% em 2011 do que neste ano. O centro da meta de 2010 já pode estar perdido, frisou. (LO)

Ao iniciar o ajuste em abril, o BC estará mirando mais o cumprimento da meta de inflação em 2011 do que neste ano

Elson Teles, economista-chefe da Máxima Asset Management