Título: Indústria argentina quer mais proteção no Mercosul
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2005, Brasil, p. A4

A principal entidade industrial argentina está sintonizada com o discurso do governo e espera que o Brasil aceite arcar com alguns custos em troca da concretização de ambições de liderança regional. Héctor Méndez, que assume no final deste mês a presidência da União Industrial Argentina (UIA), defende que o Brasil aceite incluir no Mercosul instrumentos que protejam a indústria argentina da competição com companhias brasileiras. A ausência de uma resposta que a Argentina considerasse satisfatória à proposta feita em setembro do ano passado foi um dos fatores que geraram os atritos desta semana entre os dois países. "O país que lidera tem de ter o consenso dos liderados, tem cota maior de responsabilidade na grandeza das ofertas e dos acordos, porque é assim que se forma uma comunidade", disse em entrevista ao Valor. Méndez e a diretoria da UIA estarão semana que vem em Brasília para participar da reunião empresarial paralela à Cúpula América do Sul-Países Árabes. O empresário acredita que as vantagens que o país vizinho oferece, de maneira voluntária ou involuntária, têm feito com que a balança pese injustamente a favor do Brasil quando uma empresa tem de decidir em qual dos dois lados da fronteira vai se instalar. Ele argumentou que a relação cambial atual, vantajosa para a Argentina, não é um fator suficiente para eliminar os problemas comerciais, e disse temer, por exemplo, que o Brasil adote medidas para compensar a valorização do real que acabem dando às fábricas brasileiras vantagens adicionais sobre os concorrentes argentinos. Na sua visão, o Mercosul, como união aduaneira, tem de contar com mecanismos que permitam compensar os desequilíbrios entre as economias de seus sócios, mesmo que sejam fruto, do lado brasileiro, da aplicação de políticas de fomento à indústria comparativamente mais consistentes. "Mais do que uma desvantagem para a Argentina, existe uma vantagem para o Brasil", afirmou. "Quem tem a vantagem é a empresa brasileira, que conta com um governo que possui a visão estratégica de avançar com as empresas aos países vizinhos e um banco de desenvolvimento que os ajuda com taxas atrativas. Lamentamos que isso não ocorra conosco." Ao mesmo tempo em que acha necessárias mais concessões do "irmão mais velho" do Mercosul, o empresário reconhece que a Argentina também necessita fazer a sua parte para equiparar alguns benefícios a que têm direito as empresas instaladas no Brasil. Sua principal proposta é que o país tenha um banco de fomento nos moldes do BNDES. O argumento de que é necessário proteger setores considerados sensíveis, como a indústria têxtil e de eletrodomésticos, vem sendo usado pelo governo argentino, com o apoio da UIA, para justificar a adoção de medidas unilaterais de restrição à entrada de produtos brasileiros. A pressão do governo argentino vem obrigando os empresários brasileiros a aceitar acordos de limitação de exportações, mas as autoridades argentinas acham que isso é insuficiente e querem institucionalizar salvaguardas no Mercosul. O secretário de Indústria, Miguel Peirano, reiterou que seu país adotará "medidas unilaterais" todas as vezes que sentir que um setor está ameaçado. Nas últimas semanas, o lobby mais forte tem sido feito pelos produtores argentinos de calçados. Além de prejudicar os setores onde predominam as pequenas e médias empresas - caso de calçados - Méndez também associa a desigualdade de condições que tem de ser enfrentada pelos homens de negócio argentinos ao crescimento da presença empresarial brasileira observado nos últimos anos, com o ingresso no mercado argentino de Petrobras, Ambev e Camargo Corrêa, entre outras empresas. Segundo ele, é preciso avaliar em que medida a passagem a mãos brasileiras de empresas nacionais emblemáticas, como Pecom, Quilmes e Loma Negra, assim como a instalação de fábricas em solo brasileiro em detrimento da Argentina, não é estimulada pelas vantagens oferecidas pelo Brasil. Apesar disso, nega que haja, na Argentina, um sentimento antibrasileiro. "Não temos de nos sentir mal com o Brasil nem com os empresários que tomaram a decisão de vender, mas temos de corrigir o clima e gerar as ferramentas para que os argentinos possam fazer o mesmo no Brasil." Méndez é um dos poucos empresários argentinos que conseguiu fazer o caminho inverso e expandiu seus negócios ao Brasil. Ele é sócio de uma indústria de plásticos de porte médio, a Taurusplast, empreendimento conjunto com a brasileira Taurus, instalado na cidade paranaense de Mandirituba. Méndez também é proprietário de uma fábrica de plásticos na província argentina de San Luis. "Muitas das galinhas do Furlan são transportadas nos meus contêineres", brincou, em referência a um dos produtos que fabrica e ao ataque que lançou, no início do ano contra o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan. Méndez referiu-se a ele como "produtor de galinhas", depois de ministro ter dito que os empresários argentinos não se modernizavam para poder competir. Méndez disse que depois do episódio encontrou-se com Furlan e os dois riram do ocorrido.