Título: Vitória de Kerry poderia dificultar acordos
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2004, Brasil, p. A-3

As negociações comerciais do Brasil com os Estados Unidos poderão ser mais difíceis em uma eventual vitória dos democratas nas eleições presidenciais americanas. O alerta partiu, ontem, do ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa. A previsão leva em conta que a agenda democrata prevê a inclusão de cláusulas trabalhistas e ambientais em acordos de livre comércio, como o da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta considerada inaceitável pelo Brasil. Os negociadores brasileiros avaliam que estas cláusulas, ao serem vinculadas a acordos comerciais, podem ser usadas, no futuro, para restringir exportações de empresas nacionais. " Se Kerry (o senador democrata John Kerry) for eleito, ele promete reabrir as negociações da Alca para incluir cláusulas sociais e de meio-ambiente ligadas a sanções comerciais. Se isso for verdade, será difícil para o Brasil aceitar " , previu Barbosa. O embaixador reconheceu que nem tudo que John Kerry afirma em sua campanha eleitoral poderá ser executado. O candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos sinalizou, por exemplo, que irá bloquear as negociações do país com a América Central, medida de difícil execução, pois o acordo já está assinado. Rubens Barbosa lembrou ainda que Kerry também prometeu que dará 120 dias de prazo para reexaminar todos acordos comerciais acertados pelos Estados Unidos. " Ele não contará com esse tempo porque terá pela frente uma agenda comercial muito carregada, que precisará ser enfrentada de imediato, com a renovação da Trade Promotion Authority (a Autorização de Promoção Comercial dada pelo Congresso americano para o Executivo negociar acordos comerciais), a Alca e outros desafios " , afirmou Barbosa. Ele participou de reunião do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos (Cebeu), no Rio de Janeiro. A reunião termina hoje com o vice-presidente de relações externas da Embraer, Henrique Rzezinski, sendo conduzido à presidência da seção brasileira do Cebeu no lugar de Mario Villares. Presente ao encontro, o diretor-presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Marcos Jank, avaliou que, independentemente de quem vença a eleição nos Estados Unidos, a tendência é de os americanos continuarem apostando na " liberalização competitiva " , que consiste em negociar acordos bilaterais. " Nas Américas, eles (os Estados Unidos) já estão indo para doze acordos bilaterais " , observou Jank. O que diferencia os democratas, segundo o diretor do Icone, é que eles têm uma agenda que vincula questões ambientais e trabalhistas ao livre comércio. Apoiado pelos sindicatos, o senador John Kerry será pressionado a incluir normas trabalhistas nos acordos comerciais, o que é perigoso, na opinião de Jank. O especialista em comércio exterior mostrou-se favorável, no entanto, a que o Brasil aceite negociar temas ambientais. " É melhor existir regra do que arbitrariedade " , resumiu. Em relação aos subsídios dados aos agricultores americanos e ao apóio interno dados pelos Estados Unidos ao setor, Jank indicou que o cenário é incerto. " O tema não depende só do Executivo, mas do Congresso. E a questão é saber como o lobby agrícola estará formado, pois esse lobby não é nem democrata nem republicano, mas ligado aos Estados que têm peso político " , disse Jank. Em videoconferência, a ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Donna Hrinak, indicou que hoje 63% dos congressistas democratas e 60% dos republicanos têm inclinações protecionistas.