Título: Cuba busca parceiros para superar a pobreza
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 06/05/2005, Especial, p. A10

Um enorme cartaz na Praça da Revolução, em Havana, lembra ao turista mais desavisado que a tomada do poder por Fidel Castro completa 46 anos. De lá para cá alguma coisa mudou, mas nada que tirasse o país da condição de subdesenvolvido. Com um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 30 bilhões, um produto per capita de US$ 1.327, déficit comercial de US$ 3 bilhões, 11,2 milhões de habitantes, sendo 2 milhões na capital, Cuba ainda é uma nação que repartiu a pobreza sem conseguir acumular riqueza. E um dos últimos baluartes do socialismo no mundo. No 46º aniversário da Revolução cubana, o governo Castro continua buscando alianças estratégicas que garantam a sobrevivência da ilha. Vítima de bloqueio comercial dos EUA há 43 anos, o país prioriza hoje relações com Venezuela e China, que podem lhe fornecer o que mais necessita: petróleo e respaldo militar. Nesse processo, a estratégia é evitar erros do passado, como o de ser fiel a um único parceiro, como foi a experiência com a União Soviética, cuja queda nos anos 90 levou a ilha caribenha a um longo período de recessão, marcado inclusive por racionamento de insumos básicos, como energia elétrica e alimentos, colocando em risco sua própria sobrevivência enquanto país. O PIB cubano, na ocasião, chegou a cair 15% ao ano. Nos últimos dois anos, quando o país iniciou a saída do "período especial", sua economia começou a dar sinais de recuperação por meio do esforço oficial para diversificar atividades, deixando num segundo plano a monocultura açucareira que caracterizou a economia da ilha nos primeiros anos da revolução. No ano passado, o PIB cresceu 5%. Em 2003, o crescimento havia sido de 3,2%. Além do turismo, hoje uma das principais fontes de divisas, junto com os dólares da "diáspora" cubana - cujas remessas enviadas por exilados vivendo em Miami rendem ao país quase US$ 1 bilhão ao ano -, Cuba tem desenvolvido pesquisas nas áreas de biotecnologia, farmacêutica, tecnologia da informação e desenvolvido a indústria do tabaco. Os maiores avanços para garantir estabilidade para sua economia têm acontecido devido aos acordos com Venezuela e China, o que lhe rendeu até agora garantia de fornecimento firme de petróleo (a preços estáveis) pelo governo de Hugo Chávez, e negócios relevantes na área de mineração de níquel com os chineses, além de acordos bilaterais em outros segmentos econômicos e na área militar. Miriam Martínez Delgado, diretora da Câmara de Comércio da República de Cuba, conta que o governo cubano pagará o petróleo venezuelano com serviços de saúde e educação. Hoje já existem mais de 60 mil médicos cubanos na Venezuela. "Este acordo é importante porque nos garante estabilidade de preços (do petróleo) e abre mercado para os serviços cubanos". Educação e saúde são moedas de troca para Cuba. Ela informou que o país necessita de 6 milhões de toneladas/ano de petróleo e produz 3,5 milhões de toneladas/ano. O volume restante será fornecido pela Venezuela. A negociação entre os governos começou logo após a tentativa de golpe contra Chávez, levando o dirigente venezuelano a "radicalizar" sua relação com a ilha caribenha. "Chávez é o primeiro presidente sul-americano que tem dinheiro", disse a executiva da Câmara, numa menção à riqueza originada do petróleo. Cuba tem uma necessidade vital de óleo bruto, pois praticamente não possui grandes rios com corredeiras, que possibilitem a instalação de hidrelétricas. A eletricidade em Cuba é gerada exclusivamente por térmicas a óleo, o que deixa a ilha extremamente vulnerável. A aproximação com a China tem tido sucesso. No final de abril, Raul Castro, vice-presidente de Cuba e irmão de Fidel, apontado como seu sucessor, liderou uma comitiva oficial à China. Os negócios mais importantes ocorreram na área de mineração. Está sendo acertada a construção de uma planta de ferro níquel em Moa, nordeste de Cuba, criando uma empresa mista, onde os cubanos deterão 51% e os chineses, 49%. Outra planta de níquel com controle compartilhado está sendo planejada para a província de San Felipe, com investimento previsto de US$ 1,3 milhão e produção de 50 mil toneladas/ano a partir de 2007. Além desses investimentos, foi assinado um contrato de longo prazo de fornecimento de 4 mil toneladas/ano de níquel cubano para a China. Cuba tem a terceira maior reserva de níquel do planeta e minas de cobalto e cobre. A mineração é um dos setores que mais tem crescido na ilha. A produção aumentou 7,5% em 2004 ante 2003, conforme dados da Câmara. A Câmara de Comércio de Cuba é uma entidade de âmbito nacional de direito público com missão principal de promover o desenvolvimento das empresa cubanas e das associadas a capital estrangeiro, promovendo feiras, encontros comerciais no exterior e monitorando a balança comercial. "Nada se passa na economia cubana sem passar pela Câmara", disse uma fonte local ao Valor. A filiação das empresas privadas estrangeiras e das empresas de capital misto à Câmara é voluntária. Atualmente são 859 empresas sócias da entidade, das quais 310 empresas mistas, joint-ventures do governo cubano com o capital estrangeiro. Nessa sociedade o Estado é sempre controlador. Há também empresas na área de serviços, como trading companies e administradoras de hotéis, como a cadeia espanhola Meliá. Dados da entidade informam que pelo critério de volume de investimento, o Canadá é o primeiro no ranking. Por quantidade de empresas, sobressai a Espanha. Hoje, o cenário de retomada das relações diplomáticas e comerciais com a Europa é mais positivo, após a eleição de José Luis Rodriguez Zapatero, na Espanha. Os cubanos com algum cargo no governo, ligados à área comercial, como é o caso de Miriam, se queixam muito do bloqueio americano, que dificulta bastante a vida da ilha e encarece os produtos importados por conta do frete. "Temos os Estados Unidos na nossa porta e não podemos ter relações comerciais com suas empresas", lamenta a diretora da Câmara. O governo Bush, assim como a administração Clinton, que editou a lei Helmes Burton - pela qual as empresas cubanas e estrangeiras (em Cuba) não podem utilizar mais de 10% de insumos americanos e componentes nos seus produtos -, apertou ainda mais o cerco das empresas que negociam e se instalam na ilha. Agora, o governo cubano tem de pagar à vista qualquer compra nos EUA.